sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Panamá 2011 - O "Casco Antiguo" é património da Humanidade

Casco Antiguo é designação da velha cidade do Panamá, na sua segunda localização, pois substituiu outra ainda mais antiga abandonada devido à sua fraca segurança, após o saque do corsário inglês Henry Morgan. É um bairro histórico que foi declarado património da Humanidade pela UNESCO em 1997.  E, após visitarmos o local, verificámos que há razões de sobra para isso.

 Casco Antiguo visto do Cerro de Ancón

Fundado oficialmente em 21 de Janeiro de 1673, este Bairro conserva as características próprias da arquitectura colonial dos séculos XVI e XVII, sendo possível identificar, a partir dela, se os primitivos proprietários eram franceses, italianos ou espanhóis.


Na verdade, há casas com a mansarda francesa, outras com as janelas ao gosto italiano, nomeadamente da Toscânia, e outras, ainda, ao gosto das províncias do sul de Espanha.


Há espaços em que temos a impressão de estar em Macau ou em Goa, dada  a semelhança arquitectónica com edifícios que encontrámos nesses territórios. Recordamos que, entre 1585 e 1640, a região do Panamá fazia parte, como Portugal, dos vastos domínios da Coroa de Espanha.


É possível que, nessa altura, tivessem ido para o Panamá alguns religiosos, militares e marinheiros recrutados em Portugal.


Achamos que as três praças principais, a da Catedral Metropolitana, a Prança Bolívar e a Praça Francesa,  têm encantos especiais. Saindo da Praça Francesa em direcção ao mar, entra-se no Passeio Esteban Huertas, passagem construída sobre a anterior muralha, rodeada de buganvílias de diversas cores que acompanham o Passeio em forma de arco, dando-lhe um aspecto romântico.


Há aí vários postos de venda de artigos de artesanato, nomeadamente coloridas peças de roupa e utensílios diversos com os sinais da cultura dos índios kunas. Desse passeio, quando a maré está baixa, avistam-se as torres de um submarino alemão que ali encalhou durante a segunda guerra mundial, quando se dirigia ao Canal para o sabotar. Pelos vistos escolheu o caminho errado. Não conseguimos saber o que aconteceu à tripulação.


Andando pelas ruas, notamos que está a ser feito um grande esforço para recuperar as construções no seu primitivo esplendor. Junto à Catedral está uma tabuleta informando que há a ajuda da União Europeia.

No entanto, há ainda muitos edifícios degradados e, diria mesmo, em ruínas.


A grandeza dos edifícios leva-nos a concluir que só as ordens religiosas e a gente mais abastada é que conseguiram construir casa dentro das muralhas. Os mais pobres ficaram de fora. A cidade estendeu-se rapidamente, e esta extensão é, ainda hoje, uma palpitante área comercial com grandes aramazéns e estabelecimentos de vários produtos e muitas tendinhas na rua. Também há lá grandes edifícios coloniais quase em ruínas.


O tema da recuperação do Casco Antíguo é uma das actualidades discutidas na imprensa panamiana, que aponta o mau gosto de algumas recuperações e a lentidão de todo o processo, apesar dos apoios governamentais, e ainda a falta de soluções para o grande problema do trânsito e do parqueamento automóvel.

Um bairro com as características do Casco Antíguo merecia ser todo transfomado em zona pedonal,  para o que deveria ser encontrada uma solução que permitisse aos visitantes estacionar os automóveis e autocarros num parque moderno e espaçoso nos arredores.

Mesmo assim, é muito agradável passear pelo Bairro, havendo bons locais para almoçar ou simplesmente beber algo refrescante.

Destaco apenas os quatro monumentos que mais me impressionaram:

- A Catedral Metropolitana - A sua fachada com a parte central na cor natural da pedra contrasta com a cor das duas torres caiadas de branco. O interior da igreja é bonito, por ser espaçoso, pelos vários vitrais das janelas laterais, cada um deles simbolizando uma das ordens religiosas que estiveram ou estão no Panamá. É rico pelos quadros, pelos altares e pelas imagens dos santos. É de notar um retrato do Papa João Paulo II que aí esteve  em 1983. No entanto, sentimos alguma tristeza quando vemos que a igreja não está muito cuidada, nomeadamente em termos de limpeza e da exposição do património. Alguns dos quadros estão desalinhados e tortos e outros ali postos às três pancadas, sem um mínimo de gosto e sem qualquer critério.


- O Arco Plano nas ruínas da Igreja de S. Domingos - Este arco teve uma extraordinária importância para a vida do Panamá, pois foi havido como a prova visível de que o País não está em zona sísmica, pois uma oscilação mínima tê-lo-ia derrubado. O tipo de solução encontrada para a construção do Canal teve em conta essa observação, que também é, de certo modo, responsável pela opção de construir a moderna cidade numa ambição de chegar ao céu, como aconteceu na história bíblica da Torre de Babel.


- A Igreja de S. José - Esta igreja é a mais visitada no Panamá. É vulgarmente conhecida pela igreja do altar de ouro. É rica em estatuária religiosa. O altar de ouro foi trazido, peça a peça, da cidade velha. Todos os guias turísticos contam a história de que, ainda nessa cidade, escapou por um triz ao saque do corsário Hanry Morgan, porque os frades lhe deram, à pressa, uma borradela com uma espécie de tinta preta, para disfarçar o dourado. Henry Morgan ainda teve na mão uma peça do altar e chegou a dar ordem para o removerem. Depois desistiu quando se certificou que afinal era apenas de madeira pintada de preto. É uma excelente relíquia de talha dourada do princípio do século XVII.


- E finalmente, o edifício da Presidência da República, onde o Presidente Ricardo Martinelli trabalha e dá as suas recepções oficiais.


O Casco Antiguo, para ser devidamente apreciado, merece mais do que uma visita apressada e ser visto também à noite. As surpresas e as histórias contadas por uma guia conhecedora aparecem a cada passo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Panamá 2011 - A cidade do Panamá e os Piratas

Os Piratas das Caraíbas fazem parte do nosso imáginário de criança devido às interessantes histórias de banda desenhada, filmes e livros com textos de aventuras. Quem já visitou a Disneylândia certamente que não deixou escapar o interessante módulo Piratas das Caraíbas que, num ambiente quase real, nos leva ao exótico confronto com eles e com os seus gritos de guerra.

Eles surpreendiam com ousadia as embarcações e povoações costeiras, pilhando-as, aprisionando-as e, por vezes, destruindo-as na totalidade.

As Caraíbas ficam no lado Atlântico do Panamá. E a cidade com este nome fica no lado oposto, ou seja, no lado do Pacífico.

Isto pode dar a ideia de que a cidade esteve sempre livre de assaltos. Contudo, também lá os piratas foram uma realidade. Mas enquanto que nas Caraíbas eles andavam em pequenos bandos, na costa do Pacífico apareceram com uma organização bem mais poderosa.

O local onde inicialmente foi estabelecida a Cidade do Panamá, por estar na costa oposta à das Caraíbas,era considerado seguro. A passagem para o Pacífico era difícil, e pensava-se que este mar, tão vasto como desconhecido, não teria condições para abrigar piratas.

Foi neste enquadramento histórico que a cidade do Panamá foi fundada, na sua primeira versão, em 15 de Agosto de 1519, pelo Governador Pedro Arias de Ávila, também conhecido por Pedrarias d'Ávila, ou seja, o sogro de Balboa. Como já referi noutro post, Balboa foi decapitado dois anos antes em Darien, após um processo muito rápido e sumário movido por Pedrarias.  Este acusou Balboa de traição ao Rei de Espanha e nada o fez deter. Assistiu sereno à decapitação do genro e mais alguns dos seus homens apenas a dois metros de distância. A prova no processo foi feita por dois dos subordinados de Balboa a quem Pedrarias prometeu que lhes pouparia a vida e os recompensaria se eles testemunhassem contra o seu comandante. E assim aconteceu.

Pedrarias era mais invejoso que estratega. E, ao fundar a cidade no local em que primeiramente esta existiu, falhou totalmente em termos de segurança.

Na verdade, o mundo foi-se tornando mais pequeno à medida que eram feitas as decobertas e as viagens se iam tornando rotina. No oceano Pacífico, desenvolveu-se um tipo de pirataria bem mais poderosa e organizada, operando como verdadeiras esquadras de guerra, com muitas centenas de homens. São conhecidas as histórias surprendentes de alguns famosos corsários ingleses.

A cidade antiga do Panamá, segundo a reconstituição dos entendidos, teria, em 28 de Janeiro de 1671, cerca de 10.000 habitantes e a aparência da imagem a seguir reproduzida.


Reconstituição histórica da parte central da cidade.


Ora, na madrugada desse dia, quando a escuridão da noite ainda mantinha a população adormecida, os habitantes foram surpreendidos com a dura realidade de que a cidade estava totalmente cercada por cerca de 1.200 homens do corsário inglês Henry Morgan. As primeiras reacções foram brutalmente reprimidas e toda a população ficou petrificada pelo terror. Um grande número de homens e mulheres é capturado, sendo os cativos amarrados de modo a impedir-lhes qualquer movimento reactivo. Os homens interessavam aos piratas para a execução de trabalhos forçados e para pedidos de resgate. As mulheres interessavam-lhes para a execução de trabalhos, para pedidos de resgate e para o prazer.
Morgan esteve tão à vontade que teve os cativos durante horas na praça. Familiares foram aí tentar resgatá-los e Morgan estabelecia os preços. As famílias desfizeram-se em esforços para arranjar tudo o que podiam para ir resgatar os seus entes queridos. Alguns conseguiram. Outros não. No fim, Morgan saiu com um cortejo de 600 cativos amarrados uns aos outros num coro de gritos que chegavam ao céu. Com eles iam 175 mulas carregadas de ouro e objectos valiosos. Nem os vasos sagrados das igrejas escaparam. E muitas outras mulas seguiam depois carregadas com grandes quantidades de mantimentos de vários géneros que obteve pelo resgate de alguns cativos. E carregou tudo nos seus barcos tranquilamente sem ser molestado.

Aspecto parcial da cidade em ruínas. Muita da pedra dos edifícios foi levada para a nova cidade.

A cidade ficou destroçada.


A imponente torre da catedral ainda se mantém de pé. O espaço da antiga catedral é aproveitado para eventos recreativos e culturais. Não a pudemos visitar porque nela estava armada uma sala de espectáculos onde iria actuar o cantor Yanni.

A seguir muita gente apavorada saiu dali para outros locais. A população que ficou tomou a decisão de abandonar o local e criar uma cidade nova numa ponta junto ao mar, com aspecto de promontório, apenas a meia dúzia de quilómetros de distância.

A capela-mor desta outra igreja é aproveitada para eventos culturais e para festas privadas. Na altura em que a visitámos estava a decorrer uma festa de anos.

A nova cidade do Panamá, também oficialmente fundada por Pedrarias em 21 de Janeiro de 1673, foi desenhada a régua e esquadro, em jeito de Baixa Pombalina. Foi fortificada com altas muralhas e com uma complexa rede de túneis que permitiriam o escape da população em caso de perigo e o abastecimento da defesa em caso de cerco.

Devido à fama das suas capacidades defensivas, nunca nenhum pirata ousou atacá-la. É hoje conhecida por Casco Antiguo  e é um dos locais mais interessantes, e o mais visitado, da cidade do Panamá.

O "Casco Antiguo"  visto da Avelinda Balboa.

O Casco Antiguo é hoje Património da Humanidade. É lá que estão localizados a Presidência da República e alguns dos principais edifícios governamentais, principalmente da área da cultura.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Panamá 2011 - Uma tarde de sábado sobre o Canal

O dia 12 de Fevereiro foi reservado para ir ver o Canal.

O  guia Panamá Explorer inicia assim o seu capítulo sobre o Canal:

Tudo começou quando Vasco Nuñez de Balboa recebeu a dica de Panquiaco, o filho do chefe índio Comagre, que, aterrorizado pela gula do Espanhóis pelo ouro, lhes disse que seria melhor que o procurassem no "outro mar" onde havia ouro a rodos.

Foi a primeira vez que os Espanhóis ouviram a notícia de que estavam em terras que tinham mar também no lado sul. Balboa não descansou enquanto não encontrou esse mar, chamando-lhe "Mar del Sur". Isto em 26 de Setembro de 1513.

No fim do Século XIX foi feito o traçado definitivo do Canal que coincidiu, na quase totalidade, com o percurso exploratório percorrido por Balboa.

A história do Canal é rica e feita de muitos capítulos. Na internet há muitos sites onde pode ser lida e por isso não me vou deter a expô-la aqui. Apenas alguns dados.

Começou a operar em 15 de Agosto de 1914, após dez anos de construção. Foi administrado pelos americanos até ao meio dia de 31 de Dezembro de 1999.

Tem três grupos de comportas que permitem elevar e descer os barcos de e para o nível dos oceanos. A água vai para o Pacífico e para o Atlântico a partir do Lago Gatum construído no curso do Rio Chagres que, com a sua corrente, alimenta o lago. As comportas levam dez minutos a encher e a esvaziar permitindo fazer elevar ou fazer descer os barcos.

O Canal, nesta posição, tem duas vias. Uma à frente do edifício e outra atrás. Ambas estavam a operar, no momento, no mesmo sentido (do Atlântico para o Pacífico). Os sentidos obedecem a turnos alternados. O Canal opera permanentemente vinte e quatro horas por dia e durante todos os dias do ano. 

As comportas de Miraflores são as que ficam mais perto da cidade do Panamá. São as mais visitadas por terem estruturas de apoio aos visitantes.


Marcámos o almoço no restaurante do edifício de apoio aos visitantes e tivemos a sorte de ficar na varanda e ver os barcos a passar a apenas alguns metros à nossa frente.

Vimos logo no início quatro iates de recreio já na última fase da sua passagem no canal. Iam juntinhos dois a dois. Em cada conjunto, os barcos seguiam atados um ao outro como dois meninos de creche infantil.

Estes iates estão prestes a concluir a travessia do Canal no sentido do Pacífico. A última comporta acabou de se abrir e, chegando ao fim do canal vão ser libertados e o comando da navegação vai ser devolvido aos respectivos proprietários. Durante a travessia todos os barcos ficam sob a condução e autoridade de um dos pilotos experientes do Canal.

Vieram depois grandes navios porta-contentores.


Em breve esta comporta irá ceder a água à comporta seguinte e este navio estará no lugar deixado pelos iates para seguir o seu destino através do Oceano Pacífico. 

E tivemos a sorte de ver passar mesmo à nossa frente uma enorme cidade flutuante, um barco de cruzeiro repleto de passageiros com quem trocámos gritos de boas vindas, coordenados por um animador que, pelo sistema sonoro do edifício, ia dando pormenorizadas informações sobre todos os procedimentos operacionais do Canal e do navio que estava a passar.


    O  Marina repleto de passageiros está mesmo à nossa frente ainda com a comporta cheia.



E já está a descer para a comporta seguinte. Parece um grande edifício urbano de apartamentos mesmo ali à nossa frente. Pagou para passar o Canal cerca de 900 mil US Dólares.


Depois de passar o Cruzeiro as comportas já estão a fechar. Dentro de dez minutos o espaço voltará a estar cheio de água e outro navio se aproximará. Na via da retaguarda um navio de contentores já está bastante em baixo, sinal de que as portas se abrirão em breve para poder passar. 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Panamá 2011 - Todas as nações têm um D. Afonso Henriques

Todas as nações têm um D. Afonso Henriques. No Panamá esse herói mítico nacional chama-se Balboa. É o nome da principal avenida da cidade, é também adoptado por marcas e para nome de restaurantes, lojas e clubes. Por exemplo, uma das cervejas mais vendidas é a Balboa. E é também o nome da moeda de troco do País, embora usem as notas do dólar americano.

Avenida Balboa

Na Avenida Balboa, junto à Cinta Costanera, ou seja, o paredão,  está uma bonita estátua deste herói que foi oferecida ao País pelo Rei Alfonso XIII de Espanha, em 1924.

Estátua de Vasco Nuñez de Balboa oferecida pelo Rei Alfonso XIII de Espanha

Balboa faz parte da história do Canal do Panamá por ter sido o primeiro europeu a viajar da costa atlântica à pacífica. Por isso, o Rei de Espanha de então o nomeou Adelantado del Mar del Sur.

A história da travessia de Balboa é soberba pelas adversidades que encontrou e pela coragem com que as venceu.

Se D. Afonso Henriques teve a visão das Chagas de Cristo, também Balboa passou por algo semelhante que é assim descrito no guia Panamá Explorer da Freedom Publications Inc (pág. 48):

Ao avistar o mar, Balboa pediu a todos para pararem. Então, perante o espanto dos seus homens, afastou-se um pouco até uma pequena elevação no terreno. E de repente, viram-no estender o seu olhar sobre o vasto espaço em frente. Tirou o seu chapéu de penas e ajoelhou-se numa contemplação espiritual. Então veio de longe uma brisa inesperada e uma luz forte iluminou os seus cabelos loiros e se reflectiu repetidamente na sua armadura provocando reflexos dourados. Todos os que ali se encontravam o viram envolto em glória celestial num  momento de sublime exaltação. Fez, em certo momento, sinal aos seus homens para se aproximarem e ele, mostrando-lhes o vasto horizonte, deixou-os convencidos de que ele tinha criado aquele grande Oceano.

Num outro aspecto, a sua vida foi semelhante à do nosso Rei Fundador. As suas relações com o sogro não foram nada boas. Mas enquanto o nosso Rei deu a volta ao sogro, no caso de Balboa foi o sogro que lhe deu a volta a ele. Aparentemente por inveja em relação aos seus feitos, mandou-lhe uma mensagem truculenta pedindo para se ir encontrar com ele urgentemente.  Balboa foi na boa fé, não suspeitando minimamente da sorte que lhe estava reservada. O sogro condenou-o por traição e executou-o em público no ano de 1517.

Vasco Nuñez de Balboa havia nascido em Espanha, em Jerez de los Cabaleros,  em 1475.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Panamá 2011 - A história do Chico

O Chico é o nome popular do marinheiro que nos acolheu durante três dias no seu catamaran no Arquipélago de San Blas.

Durante esses dias, ensinou-nos muitas coisas, nomeadamente sobre a arte de marear e sobre as tradições dos índios kuna, habitantes tradicionais do local que visitámos.

Eles procuram manter os seus hábitos ancestrais. As mulheres, com os seus trajes garridos, são as representantes mais visíveis desse interesse. Vivem a vida em harmonia com a mãe natureza. O trabalho para eles reduz-se a pescar ou cultivar apenas o suficiente para o sustento da família. Desconfiam do valor do dinheiro e preferem a troca directa dos produtos. E disse-nos o Chico que eles não tinham no seu dicionário ancestral a palavra trabalho. E que agora usam, para o efeito, a correspondente palavra alemã: arbeit. Isto porque, num dado momento perdido na linha do tempo, passou por ali uma frota de barcos alemães que os recrutaram, talvez à força, para trabalharem. E aí eles ficaram a saber o que é o trabalho por conta de outrem e adoptaram a correspondente palavra alemã.

O Chico contou muitas outras histórias. Mas não se deteve a contar a sua. Mas penso que, juntando dados daqui e dali, a sua história será mais ou menos como a relato a seguir.


O Chico

A palavra Chico sugere-nos logo que estamos perante um indivíduo de origem e cultura hispânica ou sul americana.  Instintivamente ocorre-me logo a imagem do Ti Chico das Sardinhas que os veraneantes de Armação de Pêra conhecem muito bem. Assim, foi uma surpresa saber que o Chico é austríaco e que nasceu há cinquenta e dois anos numa povoação próxima da cidade onde nasceu Mozart.

Aqui fiquei intrigado a perguntar-me sobre o que terá levado um austríaco a ser marinheiro a tempo inteiro. A Áustria nem sequer tem mar.

Aos poucos o Chico foi deixando cair a sua história.

Era engenheiro na companhia das águas. Algum grande desgosto deu-lhe volta à cabeça e decidiu que havia de sair da vida e do ambiente em que se encontrava. Viu no jornal o anúncio de um barco muito barato que se encontrava na Marina de Trieste. Foi vê-lo e achou que valia a pena comprá-lo. O barco estava fechado havia três anos e pertencera a um marinheiro que morrera subitamente de ataque cardíaco,  mesmo antes de iniciar mais uma das suas longas viagens. O Chico descreveu a primeira entrada no barco como uma descida aos infernos. O anterior dono tinha-se guarnecido de tudo o que precisava para a longa viagem. E tudo tinha ficado a bordo durante três anos sem qualquer refrigeração ou outro tipo de cuidado. A cafeteira ainda tinha restos do último café feito pelo anterior dono. Ele e a namorada  meteram mãos à obra para limpar tudo e restaurar o barco.

Depois foram viagens de treino entre os portos da Itália de leste e da Croácia.

E veio o momento de ele e a namorada começarem a grande viagem da volta ao mundo com que, a partir de certa altura, começaram a sonhar. Passaram pelo Mediterrâneo e Gibraltar. Estiveram a vinte milhas de Portugal e ainda sentiram vontade de ir ver o Algarve. Mas seguiram em frente em direcção às Canárias. Nesse percurso, enfrentaram uma tremenda tempestade, a maior que o Chico já apanhou na sua vida de marinheiro. Passou por Cabo Verde. A travessia do Atlântico demorou vinte dias. Ele e a namorada revezavam-se na condução do barco por turnos de oito horas.  Os dias passavam e nada acontecia. Na maior parte do tempo, o barco seguia sozinho com o piloto automático.

A certa altura, porém, a namorada foi acordá-lo em alvoroço. Correu para a coberta do navio e viu que estava já próximo na rota de colisão com um grande petroleiro. As manobras de emergência num barco com as velas içadas são sempre mais demoradas. Em sufoco, tentou resolver a situação. E eis, se não quando, que o petroleiro mudou de direcção. Falou via rádio durante alguns minutos com o comandante do petroleiro que lhes perguntou se tudo estava bem com eles e se precisavam de alguma coisa. Que o piloto automático do petroleiro os tinha detectado e tinha mudado bruscamente o sentido da navegação. O Chico disse-lhe que estava tudo bem e pediu ao comandante do petroleiro para mandar um email aos seus pais para a Áustria a dizer que os tinha encontrado no Atlântico e que tudo estava bem. O comandante do petroleiro tomou nota do email. Disse que ia mandar de imediato uma mensagem. O email ou a mensagem nunca foram recebidos pelos pais do Chico.

O Chico está em San Blas há cerca de cinco anos. Descobriu aqui um nicho de negócio e nomeou um agente na cidade do Panamá. Também abriu uma webpage promocional (www.chisailing.com).

O Chico despediu-se de nós com tristeza dizendo que nós éramos os últimos clientes dele em San Blas. Que ia receber só mais uns amigos que já não via há cinco anos. E que depois ia atravessar o Canal para o lado do Pacífico e continuar a sua viagem à volta do mundo. O próximo destino para passar algum tempo seria o Arquipélago dos Galápagos ao largo do Equador.

Pode ser que o Chico, ou antes o Sr. Herbert Winkler, um dia nos visite em Lisboa.

Panamá 2011- Esquiando sobre as nuvens

Estávamos de regresso à cidade do Panamá.

O avião era minúsculo. Trazia nove passageiros: os quatro do meu grupo, um casal de jovens alemães e uma mulher e duas crianças kunas. Na pista ficaram passageiros a protestar por não terem tido lugar. Fiquei com a impressão de que os kunas têm privilégios e prioridades quando se querem fazer transportar de avião para a capital.



O ruído dos dois motores era ensurdecedor e não adiantava taparmos os ouvidos com as mãos. Eu já andei em aviões de tamanho semelhante na Guiné e em Cabo Verde, mas já não me lembrava bem como era.

A primeira parte do trajecto foi sobre a costa norte do Panamá. Aproveitámos para ver do ar o belíssimo arquipélago de San Blas e para lhe dizermos adeus.



Porém, a certa altura, o avião começou a sobrevoar o continente para o atravessar.  As turbulências começaram mansas. Mas aproximou-se uma mancha de nuvens brancas e altas e o percurso dentro das nuvens tornou-se tormentoso. O avião abanava por todos os lados como se estivesse a ser batido por um enorme varapau. A certa altura, caiu num buraco bastante profundo e a respiração foi sustada porque os joelhos ficaram colados à garganta. O avião retomou a altura e todos procuravam sorrir para confortar os outros. Mas, nestas alturas, o sorriso não conforta nada por ser tão amarelo. O piloto, um homem já para lá dos cinquenta, era seguramente  um profissional com muita experiência e foi esta ideia que me deu alguma tranquilidade. Fez subir o avião para cima das nuvens e então por aí vínhamos como que a fazer esqui sobre elas. Subindo e descendo. A certa altura já achávamos graça a este divertimento.

Durante a travessia do continente, a paisagem era composta por muitas montanhas que pareciam cobertas de floresta densa. Eram raras as casas que se viam.



Só quando chegámos à costa do Pacífico é que o voo começou  a ser mais estável. Também a paisagem se alterou, pois começaram a aparecer povoados cada vez de maior dimensão. E desde longe se viam os inúmeros palitos da cidade do Panamá.

A aproximação ao aeroporto foi de mestre, pois permitiu-nos ter vistas excepcionais sobre a cidade que só o voo num avião de reduzidas dimensões ou de helicóptero pode permitir.

Adorei a última parte do voo que aproveitei para tirar mais algumas fotografias da cidade, num ângulo que não será nada fácil voltar a conseguir.  


A Ponte das Américas que marca a entrada no Canal

No fim cumprimentei o Comandante e agradeci-lhe a excelente vista que nos proporcionou da cidade. Ele retribuiu o agradecimento com uma cara de visível satisfação.

Houve controlo de passaportes e as bagagens foram revistadas por um militar e um cão.

Panamá 2011 - Um temível ataque de chitras

Era a última noite que passávamos em San Blas. Estávamos fundeados junto à povoação de Corazón de Jesús e já tínhamos recolhido aos nossos beliches.



Relativamente às noites anteriores, estranhei que não houvesse uma ponta de brisa fresca a entrar pela escotilha e que não sentisse o tac tac das ondas a acariciar as quilhas do catamaran.  Durante algum tempo espreitei a povoação, vendo perfeitamente pessoas a passar na ponte entre as duas ilhas que a compõem. Ouvia uma espécie de aparelhagem de feira. Parecia uma animação de uma festa que durou até por volta das onze da noite. Depois veio o sossego e tentei dormir. Mas...

Comecei a sentir um incómodo ardor nos pés e pernas que foi alastrando ao corpo todo não coberto com roupa. Comecei a cogitar que estaria a sofrer um ataque de ou pulgas ou percevejos. Afinal, na boxe em que dormíamos, a coberta do colchão não apresentava um esmerado cuidado de limpeza. Desesperado, torcía-me e retorcía-me tentando esmagar com as mãos os predadores que tentavam devorar-me. Tentei aguentar porque não sentia sinais de que os meus companheiros estivessem a passar pela mesma sensação. Tapava-me com tudo o que me veio à mão. O ardor era cada vez maior.

Acabei por sentir ruídos que me levaram a presumir que todos os meus companheiros estavam a passar pelo mesmo.

A certa altura acendi a luz.

As partes brancas da cabine estavam polvilhadas de minúsculos pontos pretos.



Comecei a esmagá-los e resultavam pequenas manchas de sangue. Estávamos a sofrer um temível ataque de minúsculos mosquitos que, disse-nos o Chico, se chamam chitras. Aparecem quando não há vento. Vêm dos bosques com humidade e árvores em enxames compactos e agarram-se a tudo o que é ser vivo, picando e sugando sangue e deixando microscópicas babas que, no prazo de um a três dias, produzem erupções semelhantes à varíola, levando cerca de uma semana a desaparecer.

É claro que a alvorada foi muito cedo. Quando me levantei já o Chico estava sentado na sala-cozinha do barco. A primeira coisa que me disse foi:

- Também fui atacado!

E explicou o que eram as chitras.

O pequeno almoço já não teve o sabor do dos dias anteriores. O ardor sentido e a ansiedade de ir começar uma viagem aérea não deixaram apreciar devidamente o pão quente que o Chico preparou.

Às seis e meia estávamos no barco de borracha para irmos para o aeroporto. Já estávamos perto do cais quando o Chico desviou a marcha na direcção de uma barco de kunas que estava ali parado, dizendo:

- Vamos fazer como fazem os kunas.

Chegou ao pé deles, deu-lhes os bons dias e disse:

- Too many chitras.

E respondeu um dos homens kunas:

- Demasiado.

Ali ficámos naquela sala de espera no meio do estuário do rio, colados a um barco kuna. As pessoas que já estavam no cais meteram-se novamente nos barcos e vieram juntar-se a nós naquela exótica e aquática sala de espera do aeroporto de Corazón de Jesús.



Às sete e meia começamos a ouvir o avião e só houve tempo para lhe tirar uma fotografia no momento em que passou perto de nós.




P. S. - A certa altura, ouvi o Chico dizer que uma amiga que tinha sido tocada por uma alforreca se lavou com vinagre e que isso deu bom resultado.

Quando regressámos a casa, ao 49.º andar do Aqualina da Punta Pacífica, eu vinha desesperado e lavei-me todo com vinagre. Os meus companheiros olharam com piedade para a solução que eu encontrei para o meu desespero. Na verdade vi que estavam convencidos de que as chitras os tinham poupado e que estavam livres de perigo e que até se sentiram incomodados com o meu cheiro a vinagre.

Hoje, dia 16 de Fevereiro, data em que escrevo este post, os meus companheiros têm os corpos que nem as chagas de Cristo, sentem uma coceira desesperante, recorrem ao vinagre para se aliviarem e até não tiveram receios de ir para o cinema a cheirar ao dito.


 Na verdade eu tenho verdadeira pena deles. No meu corpo não há uma borbulha sequer.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Panamá 2011 - Um saboroso ceviche servido na praia

A manhã do dia 9 apareceu com a luz e as habituais cores deslumbrantes do mar e ilhas  de San Blas.

Já fazia parte da nosso desejo de gulodice o pão quentinho que o Chico nos serviu na manhã anterior. Era de facto saboroso.

Diz o guia Panamá Exlorer que Cristóvão Colombo andou por estas ilhas na sua segunda viagem à América e que ficou de tal modo encantado com a transparência das águas que, ao regressar a Espanha, a referiu várias vezes ao Rei como sendo uma das maravilhas mais belas que viu durante a sua longa viagem. E com razão. Vejam só esta fotografia.


Um bonito caranguejo que fotografei nas águas transparentes

Após o pequeno almoço ele perscrutou o horizonte  e disse:



- Como está uma brisa favorável vamos velejar mais um bocadinho e vamos mudar para outra ilha.


Era algo que ouvimos com agrado, pois começávamos a ficar convencidos de que já sabíamos velejar ou, pelo menos, a entender como é que a coisa se faz.

Aproximámo-nos a seguir de um grupo de ilhas onde havia vários iates. Uma delas tinha uma cabana de um família de kunas que aí vivia e que, ao fim da tarde, usava fazer um passeio pelos iates ali estacionados, estabelecendo, por vezes, contacto com os ocupantes que lhes ofereciam qualquer coisa. Segundo o nosso anfitrião, eles apreciavam sobretudo revistas estrangeiras com imagens, rebuçados e, claro, álcool, de preferência rum ou vodka.


A família de kunas observa os nossos mergulhos. Faz-se transportar numa canoa monobloco, feita a partir de um único tronco de árvore.

Depois de fundearmos, fomos para uma das ilhas, que, desta vez, era um pouco maior que as outras.


O aspecto do interior da ilha

Entre os barcos ali estacionados, havia um que nos chamou particularmente a atenção. Tinha o nome de STAHLRATTE BREMEN. Segundo o nosso anfitrião trata-de de um barco alemão construído nos anos vinte e que já está naquele local há cerca de dez anos. Pertence a um clube privado alemão a que os sócios pagam vinte e cinco euros mensais com direito a virem, de quando em quando, a passar uma temporada de férias neste local. Faz sentido esta solução, pois em San Blas os alojamentos são escassos e os poucos existentes são geridos por locais e de fraca qualidade. Todas as tentativas das grandes cadeias internacionais têm sido recusadas.


O barco alemão, vendo-se ao fundo os destroços do navio encalhado

A ilha é atravessada por uma vereda. Tem no meio um pequeno poço com água doce a que os marinheiros recorrem quando o sistema de dessalinização  se avaria ou há consumos em excesso. O Chico disse-nos que as raízes dos coqueiros e a própria areia actuam como filtros.

Os habitantes do navio alemão usam atravessar a ilha seguindo por essa vereda para irem praticar nudismo no outro lado da ilha, por sinal o mais paradisíaco.

No meio da ilha há um espaço reservado a piqueniques. E foi para lá que o Chico nos conduziu no começo da tarde para nos dar o almoço. Serviu então um ceviche em molho de coco e arroz que estava uma delícia. Para mais levou bebidas bem fresquinhas que nos deixaram em condições de um nova soneca na parte da tarde.


Uma das três espécies de aves que vimos na ilha. Segundo o Chico, este é um pássaro ladrão, pois aproxima-se dos turistas e leva tudo o que apanha. Chega a levar telemóveis e carteiras com documentos.

Após a soneca, regressámos ao barco para o ritual dos saltos e mergulhos acrobáticos. Durante um dos saltos, vimos que um cardume de lulas que passava junto ao barco se assustou, libertando muitas fitas de tinta preta.

Era suposto passarmos ali a noite. Contudo, como obtivemos a informação da Air Panamá que o voo de regresso seria segundo o horário previsto, seis e meia da manhã, o Chico achou prudente regressarmos já para um local junto ao aeroporto onde estava previsto embarcarmos, ou seja, a pista de Corazón.

O vento estava ameno, mas era o suficiente para empurrar o barco pela serenidade do mar bonançoso.

Ao jantar o Chico serviu-nos duas metades de lagostim a cada um, com batatas cozidas e salada que nos souberam a rico manjar.

Como era o último dia e nos tínhamos de levantar cedo, o Chico invocou que a meia noite dos marinheiros é às vinte e uma e sugeriu-nos que nos recolhêssemos.

Depois de mais uma conversa entusiasmada, acabámos por seguir a sua recomendação.

Talvez por virtude do cansaço ou da ansiedade, ou do à vontade em já sabermos estar no mar, cometemos uma omissão fatal que foi a de não nos termos untado devidamente com um bom repelente de insectos.

Panamá 2011 - Feliz Cumpleaños!

Era o dia 8 de Fevereiro, a data do aniversário da nossa jovem companheira de aventura.

Por isso, o cenário natural para passar o dia era bem adequado à efeméride. Sabíamos que a nossa aniversariante adora piqueniques. O local para o fazer não podia ser melhor.

O catamaran aproximou-se de uma nova ilha com alguns coqueiros, depois de contornar um recife perfeitamente visível. A água à volta do recife tinha uma cor avermelhada, curioso sinal natural de que é uma zona perigosa para qualquer embarcação. Aliás, o nosso anfitrião, o Chico, chamou-nos a atenção para os destroços de um navio que terminara os seus dias encalhado num recife não muito distante dali. Eram perfeitamente visíveis as duas partes em que o mar já o dividira.


Na ilha encontrámos um casal sénior de franceses de Toulouse que estavam a fazer um piquenique à sua maneira. Estabelecemos com eles um diálogo amistoso, ao ponto de nos dispensarem a sua mesa de campanha para o apoio aos nossos recipientes de cozinha. E foi mais fácil assar o peixe, uma vez que aproveitámos o braseiro que eles tinham utilizado. Foram simpáticos estes franceses, como o foi a tribulação do seu catamaran constituída por um homem de meia idade europeu e por uma mulher kuna. O homem tinha a particularidade de andar praticamente nu, usando apenas um fio dental para tapar o absolutamente essencial. Mas era muitíssimo simpático e comunicativo.


O Chico disse-nos que, como há pouca lenha, há o costume de os navegadores partilharem as fogueiras. Uma vez assado o peixe, ele teve o cuidado de levar à água os paus que ainda não tinham ardido na totalidade, para os ir arrumar junto à outra lenha e assim poderem servir ainda mais uma vez.


Foi neste ambiente de peixe fresco assado na brasa, nesta ilha com alguns coqueiros, rodeada de areia branca e água cristalina que cantámos os parabéns, pela primeira vez nesse dia, à nossa aniversariante.

Depois, a sombra existente na ilha foi mais do que suficiente para proporcionar a todos o ambiente para uma boa sesta.


Seguiu-se um prolongado banho de mar e, mais tarde, o regresso ao barco. E aí sucederam-se os saltos para a água, os mergulhos e as piruetas.

Para o jantar, o nosso anfitrião preparou aquilo a que chamou um prato austríaco com um toque panamiano. Era, em boa verdade, mais uma sobremesa que um prato principal. Era um crepe com bocadinhos de ananás, desmanchado à maneira de ovos mexidos.

Houve a oportunidade de cantarmos novamente os parabéns, com apagar de velas e tudo.


Feliz Cumpleaños, Parabéns a Você!

A noite foi serena e repousante.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Panamá 2011 - A Ilha dos Dois Pelicanos

Tínhamos deixado Corazón e fizemo-nos ao mar para irmos fundear junto de uma das muitas ilhas paradisíacas que se viam no horizonte.



Logo à chegada à ilha escolhida, verificámos que havia dois pelicanos que, de vez em quando, desciam em voo vertiginoso para a água,  faziam um mergulho rápido, e, passados alguns minutos,  regressavam à copa do coqueiro em que se encontravam. Decidimos, por isso, chamar a esta ilha a Ilha dos Dois Pelicanos.

A beleza da água cálida e transparente provocou uma enorme excitação, sobretudo na gente mais nova, que se divertiu a fazer saltos e mergulhos para a água, por vezes com habilidosas piruetas.



No fim dos mergulhos, o nosso anfitrião aproveitou para nos ditar uma segunda regra de bordo:


- É obrigatório tirar o sal com água doce sempre que se regressa do mar para o barco.

Mostrou, para o efeito, uma pequena mangueira que se retirava de um compartimento e que permitia passar a água pelo corpo.

A seguir vieram as recomendações em relação aos cuidados no consumo de água doce que, disse o nosso anfitrião, são um dos principais problemas de qualquer embarcação. O catamaran está equipado com um dispositivo que permite dessalinizar água do mar de modo a obter diariamente cerca de 20 litros de água doce, o que, em princípio deve ser suficiente para a vida a bordo, se o consumo não for descuidado.

Ao jantar o nosso anfitrião serviu frango frito com batata cozida e salada. Como não houve almoço, o apetite era maior.

Como todos os marinheiros, o nosso anfitrião foi-nos contando a suas aventuras.

À noite aproveitámos para ver o maravilhoso céu estrelado. A Estrada de Santiago, com miríades de estrelas cintilantes percorria o céu em arco, do norte ao sul. Por cima de nós, na vertical, estava a brilhante Cassiopeia. O nosso anfitrião tentou ajudar-nos a encontrar a estrela polar, mas sem êxito. Disse-nos que, em certas alturas, a esta latitude de nove graus norte, podemos ver a estrela do norte de um lado e o cruzeiro do sul do outro.

A noite foi suave. Estava com receio de não me habituar às reduzidas dimensões da boxe onde se encontrava a cama. Mas distraí-me a ouvir as ondas a acariciar as quilhas do barco e a respirar a brisa fresca que entrava pela escotilha aberta. E também a ver a Cassiopeia no seu movimento descendente pela Estrada de Santiago, até a perder de vista já junto à linha do horizonte quando a luz da manhã passava uma esponja pelo céu apagando todas as estrelas.



No dia seguinte, fomos surpreendidos ao pequeno almoço com pão fresco feito pelo nosso anfitrião.  Quentinho e barrado com manteiga foi uma delícia. Explicou-nos como o fazia. Pareceu-me ser fácil. Estou tentado a experimentar.

Depois de uma boa conversa, o nosso anfitrião apareceu com o fato de mergulho dizendo:

- Vou à procura do almoço.

Meteu-se no barco de borracha e afastou-se uns cem metros.

Regressou meia hora depois, com três peixes que arranjou de imediato.



Respirando fundo disse no fim:

- Estou a pensar como é que os hei-de servir.

Após alguns instantes disse que íamos mudar para outra ilha e que lá os iria assar em barbecue.

Após algum descanso começou a aparelhar o barco para a partida. Havia uma brisa que se sentia muito bem a sacudir as velas logo que estas foram içadas. Explicou que as velas se levantam e baixam sempre com o barco apontado na direcção do vento.

Levantada a âncora, fizemo-nos ao mar. O nosso anfitrião explicava-nos com gosto todos os pormenores da arte de navegar bem como do uso dos instrumentos de bordo.