quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 8. Em 27 de Abril. Em Jerusalém. 8.5


8.5. Os Túmulos dos Patriarcas

No apontamento anterior visitámos a Igreja da Agonia. Estávamos no começo da tarde e como começámos o dia de trabalho turístico cedo já sentíamos necessidade do almoço.
 
Retomámos o autocarro. Ao entrar reparei que as lascas residuais do vidro partido no dia anterior ameaçavam cair a todo o momento, pois estavam seguras com fita-cola algumas e a maior parte delas estavam presas nos encaixes da janela, mas por pouco.

Uma vez dentro do autocarro, o guia Sebastião começou a explicar o programa que se iria seguir. Iríamos passar para uma zona sob o controlo da Autoridade Palestiniana, creio que zona A, na qual ele, por ser judeu, não poderia entrar.
 
Por isso, lá, seríamos acompanhados por um outro guia local. Almoçaríamos e iríamos a Hebron visitar os túmulos dos Patriarcas. Depois visitaríamos o Campo dos Pastores e Belém. Após o que regressaríamos ao hotel em Jerusalém. Ele estaria à nossa espera por volta das oito da manhã do dia seguinte para recomeçarmos a nossa peregrinação.

No momento próprio, ainda com a muralha de Jerusalém à vista, o autocarro parou e o Sebastião desceu despedindo-se até amanhã.

O P. Artur aproveitou a deixa e deu-nos algumas informações sobre os locais que iríamos visitar a seguir.

Não tardou a aparecer a barreira que separa a Palestina de Israel. Placas em betão, com a altura de nove metros, formando uma vedação compacta impossível de ser transposta por uma pessoa sem apoios especiais para o fazer. 
 
 
 

Apareceu o posto fronteiriço e o autocarro seguiu sempre o seu caminho. Não foi objeto de qualquer controlo visível. Embora o guia Sebastião nos tivesse dito para levarmos os passaportes à mão, os mesmos não chegaram a ser necessários. Nem aqui nem em qualquer outro posto de controlo dentro da Terra Santa, a não ser no aeroporto, à entrada e à saída de Israel. Seguramente que os guardas dos diversos postos de controlo já tinham toda a informação necessária.

Uma vez transposto o posto de controlo, passámos a ver um ambiente urbano com as características dos territórios árabes, com as legendas em árabe, e, por vezes, também em hebraico e em inglês. 
 

O motorista foi-nos conduzindo para o local do restaurante. Parou num edifício com vários andares. Os mais baixos eram utilizados como parque de estacionamento. Estacionou num piso reservado a autocarros. Descemos do autocarro e subimos em escadas rolantes para uns dois pisos acima, com várias lojas e com um restaurante, tipo varanda, com vista para um vale que se estendia pela encosta abaixo.
 
 
A tarde estava com muito sol, quente, e a paisagem era agradável.

O aspeto do restaurante era arejado. O teto estava coberto com veludo amarelado com efeitos de pequenas abóbadas. Da zona central do teto pendiam cachos de uvas azuis, que pareciam ser de jade.
 



  A comida foi servida rapidamente. Estava ao nosso gosto ocidental. As batatas fritas tinham um gosto muito semelhante ao das nossas. E até a carne servida em espetadas tinha paladar que nos agradava.

 
  
Havia, como noutras ocasiões, pratinhos com picadinhos diversos que escorregavam muito bem com vinho ou cerveja. Eu pude comprar uma garrafinha de vinho tinto local de qualidade média, de que gostei. O serviço do restaurante foi razoável.

O período do almoço passou depressa. Como acontece com os nossos centros comerciais, as casas de banho servem todo o piso. Mas estavam limpas e houve que aproveitar pois não sabíamos o que iríamos encontrar a seguir.

Descemos pelas escadas rolantes para o autocarro onde o condutor Itam já estava à nossa espera e, com ele, o nosso novo guia, o Vladimir. Simpático muito se esforçou para falar um português que pudéssemos entender, para explicar o nosso próximo local de visita, o Túmulo dos Patriarcas e das Matriarcas, na cidade de Hebron que fica a trinta quilómetros de Jerusalém. Ao contrário do que o seu nome dá entender, o Vladimir não tem ascendência russa. Explicou que tem ascendência espanhola pelo lado da mãe e o pai, palestiniano, resolveu chamar-lhe Vladimir por ser um grande admirador de Lenine. 


 
 

O local do Túmulo dos Patriarcas é também conhecido por local das sepulturas duplas (Me-arat Hamachpelah), por incluírem patriarcas e matriarcas. Segundo a tradição encontram-se ali sepultados Adão e Eva, Abraão e Sara, Isaac e Rebeca e Jacó e Lea. É um lugar sagrado para as três religiões monoteístas. Fica a sudoeste da Cisjordânia, no coração da antiga Judeia. A sua segurança é presentemente assegurada pelas Forças de Defesa de Israel. Os muçulmanos têm ali um dos seus principais lugares santos, a Mesquita de Ibrahim. Foi nela que, em 25 de fevereiro de 1994, um médico israelita, Baruch Goldstein, conseguiu entrar armado e, de súbito, começou a disparar matando várias dezenas de pessoas ali presentes. Acabou por ser também ali morto pelos sobreviventes. Hoje é um sionista radical louco para uns e um herói para outros. Este episódio dá uma ideia do que é a vivência do dia-a-dia para os duzentos mil habitantes de Hebron. A maior parte da população é árabe. Mas há também cristãos e judeus. No entanto, li que as relações entre as comunidades não são fáceis, havendo potenciais pontos explosivos que, uma vez acionados, nunca se sabe até onde podem chegar.

Isto é o que pude concluir de alguma informação que li. Mas, na verdade, devo dizer que não foi isso que observei durante a nossa visita. Para além dos militares armados que faziam guarda ao recinto e ao edifício do local dos patriarcas, não vi mais nada que pudesse permitir uma leitura de tensões latentes. Aliás, os guardas israelitas foram muito simpáticos, perguntando-me, mal transpus a porta do edifício que dá acesso ao local de onde é que eu era, num inglês perfeito, de quase nativo. Quando eu mencionei Portugal, os três militares que ali estavam exclamaram ao mesmo tempo: "oh! Ronaldo! " e chamaram-me a atenção para o facto de haver informação sobre o local nos cacifos ali ao lado, podendo eu levar gratuitamente um folheto na língua que me interessasse.



O local impressiona-nos pelo ambiente antigo, pelo aspeto e atitude de judeus ortodoxos que por ali estão, alguns lendo livros, outros rezando e fazendo múltiplas pequenas vénias. As estantes que revestem as paredes têm imensos livros com aspeto de serem muito antigos.


Os verdadeiros túmulos estão na gruta sobre que se ergue o edifício. Há, no entanto, em câmaras não muito iluminadas e cobertas por panos de cor dourada, grandes esquifes muito tostados pelo passar dos tempos. Estando ali, sentimo-nos ser invadidos por sentimentos de respeito e de admiração por estes lugares terem resistido a múltiplas investidas dos homens e da natureza. As tormentas passaram ao lado, pelo menos nos dois últimos mil anos.
 
 

 

 
É justo que façamos uma referência especial ao facto de os judeus não se sentirem nada perturbados com a nossa presença nos seus santuários. Aconteceu isso aqui e noutros lugares que pudemos visitar livremente, incluindo o Muro das Lamentações.

Saí daquele local com a sensação de ter folheado um livro com muitos milhares de páginas, documentando muitos milhares de anos.

Já no pátio tirei as últimas fotografias do local, incluindo da paisagem que se alcançava, do edifício da Mesquita de Ibrahim e das barreiras de controlo que, no momento, estavam completamente inativas.
 
 
 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 8. Em 27 de Abril, em Jerusalém. 8.4.

8.4. A Igreja da Agonia

Esta igreja é também conhecida como Igreja de Todas as Nações pelo facto de ter sido fruto de um concertado contributo de benfeitores de um conjunto de nações, cujas cores nacionais assinalam a respetiva contribuição. O número de nações é significativo, mas entre elas não figura a nação portuguesa.

 

 
 
Foi também desenhada pelo arquiteto António Barluzzi nos anos vinte. A sua construção, que ocorreu entre 1919 e 1924, sofreu vários incidentes, com tentativas de embargo por parte dos vizinhos cristãos ortodoxos russos e dos judeus, motivados por insondáveis desígnios. E ainda bem que foi construída pois é um templo excecional sob muitos aspetos: religioso, histórico, artístico e monumental.
 
Como outros lugares santos reflete as investidas da história, pois é já a terceira igreja construída no local. A bizantina, que foi destruída em 614 pelos persas. Uma basílica erguida pelos cruzados no século XII, que foi destruída não muito tempo depois por Saladino.

A igreja atual respeita os alicerces da igreja bizantina. E, como as anteriores, tem como ponto central uma rocha rasa e larga, talvez com uns três a quatro metros de diâmetro, sobre a qual Cristo terá orado e suado sangue pouco antes de ter regressado à Gruta do Gethsemani onde foi localizado e denunciado por Judas para, de imediato, ser preso.

 
 
Foi para mim muito marcante o momento em que nela entrei. Da luz intensa da rua, própria de um dia de sol no seu apogeu, entrámos na igreja e, por momentos, pareceu que não víamos nada, a não ser a luz roxa filtrada pelas janelas. Mas os olhos habituaram-se rapidamente e o cenário caiu sobre nós num esmagamento surpreendente tornando quase real a atmosfera do sofrimento que se abateu sobre Cristo.  Isto porque deparámos com muitas pessoas prostradas à volta de uma rocha com vários metros de diâmetro, cercada por uma grade em ferro a imitar uma grande coroa de espinhos. Fomos envolvidos pelo ambiente de luz ténue mas intensamente roxa. Os raios que vinham da janela e que passavam muito acima das nossas cabeças formavam como que um céu estranho em que fervilhavam miríades de minúsculas partículas suspensas, também roxas. A iluminação local era muito discreta e não perturbava este ambiente de profundo respeito a inspirar sofrimento.

 
 
 
 

O momento em que nos baixámos e tocámos na rocha da agonia é inesquecível. Eu senti como que uma força estranha a invadir-me, não de desânimo ou prostração, mas de conforto. Pensando bem, já vários milhões de pessoas fizeram o mesmo através dos tempos, depositando ali suspiros de solidariedade com os sofrimentos de Cristo e deixando uma imensa variedade de tipos de súplicas e anseios.


 



Um outro aspeto que impressiona é o das cúpulas e o das janelas. Olhamos para cima e podemos contar doze cúpulas, o que não deixa de nos parecer exótico, por ser pouco comum nos templos da nossa tradição arquitetural religiosa. Estas doze cúpulas provocam uma sensação angular e quase que sentimos espinhos a penetrar-nos no espírito trazidos pela luz refletida pelas cúpulas que representam uma noite de céu bem estrelado.

A densidade do ambiente roxo ficou limitada ao interior da igreja.

Ao sairmos, olhámos para a frontaria e vimos um colorido quadro bíblico, em que Jesus está num ambiente bem vivo, como que de mediador entre os homens e o céu. Este colorido não é comum em monumentos do género, pois o vulgar é termos estátuas e baixos-relevos em pedra, mais ou menos trabalhada, monocromática.

 


O trabalho polícromo do cimo do frontispício é em mosaico e foi desenhado por Bagelli.  Por baixo do quadro colorido da parte superior do frontispício erguem-se quatro colunas, suportando, cada uma delas, um dos quatro evangelistas, estes sim em estátuas de pedra.

 


Ao lado da igreja está um horto cercado por grades de ferro, não muito altas, onde pudemos admirar algumas oliveiras com troncos largos e antigos, que provavelmente já existiam no tempo de Jesus.  Uma delas, ainda nova, localizada no ângulo junto à torre sineira, foi plantada pelo Papa Paulo VI.
 
 


 
Tivemos o privilégio de ouvir os sinos tocar em festa durante alguns minutos provocando-nos sensações bem diferentes das que sentimos no interior da igreja.

 

Logo que os sinos se calaram dirigimo-nos para o exterior do recinto para retomar o autocarro e irmos à procura do almoço.

domingo, 7 de setembro de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 8. Em 27 de Abril. Em Jerusalém. 8.3.

8.3. O Monte das Oliveiras

Depois de sairmos da gruta do Gethsemani fomos encaminhados para o autocarro, ou ónibus como diz o guia Sebastião. Da estrada, pudemos ver a frente da Igreja da Agonia, que fica perto do Gethsemani, à distância de uma pedrada bem lançada.
 
 
A ideia era subirmos de autocarro para o cimo do Monte e descê-lo a pé para, então, podermos visitar esta igreja.

Enquanto subíamos, o Sebastião aproveitou para dissertar sobre o que distingue um peregrino de um vulgar turista. A fé, evidentemente.

Chegámos ao cimo do Monte e o condutor deixou-nos junto ao miradouro na parte superior do Monte das Oliveiras onde havia muita gente numa azáfama de tirar fotografias. Algumas usavam binóculos para verem melhor um ou outro objetivo. Antes de descermos do autocarro o Sebastião aproveitou para nos dizer que daquele miradouro se obtinha a vista mais bonita da cidade de Jerusalém.

 
 
E tinha razão. O sol brilhava com intensidade sem ser excessivamente abrasador. A cidade parecia resplandecente debaixo de um céu com um azul intenso. A dourada cúpula da Mesquita da Rocha sobressaía de todo o conjunto, tanto mais que refletia o sol. O Sebastião foi identificando os principais monumentos.
 
 

O pátio das Mesquitas, a fortaleza antoniana, a Igreja do Santo Sepulcro, os bairros cristão, judeu e árabe. E as vistas não se limitaram ao que estava dentro das muralhas. Sobretudo lá para o lado sul, a localização da casa de Caifás, colina da porta de Sião, a igreja do Cenáculo.
 
 
Depois o Sebastião dissertou sobre a imensa necrópole que cobre quase toda a encosta do Monte das Oliveiras desde tempos imemoriais. Vêem-se por ali abaixo talvez centenas de milhares de túmulos. E curiosamente não se veem flores em cima deles, mas sim pedras. Os judeus não gostam de usar flores para homenagear os mortos. Entendem que as flores murcham rapidamente e as pedras não. O que interessa é o sentimento e por isso dizem 'dou-te nesta pedra o meu coração' e isso fica para sempre.
 

Em dado momento o Sebastião pediu para nos juntarmos à volta dele no miradouro. E então começou a retirar de um saco copinhos de madeira de oliveira que começou a distribuir. E ia dizendo que o local justificava um brinde pelo que oferecia os copinhos e o licor. Não tardou a tirar do saco uma garrafa. E foi enchendo os copinhos. No fim brindámos ao sucesso da nossa viagem e à amizade. O sabor do licor aproximava-se mais da nossa ginjinha do que do vinho do Porto. Era bastante doce, com um bom teor de álcool.
 

Depois do brinde deu-nos rédea livre para tirarmos todas as fotografias que quiséssemos.  Só quando nos viu serenar e com as máquinas de filmar e fotografar paradas é que voltou às suas explicações, dizendo, de entre outras coisas, que um espaço para uma sepultura naquela encosta custa mais do que um apartamento de luxo em Paris. Isto porque muita gente acredita que os mortos ali sepultados serão os primeiros a acordar no dia da ressurreição.
 
 
A seguir convidou-nos a descer o Monte a pé.
Era uma rua alcatroada com uma inclinação muito acentuada. Costuma-se dizer que para baixo todos os santos ajudam. Mas não é bem assim. Eles, às vezes, em vez  de ajudarem, empurram.
E ainda por cima havia no grupo algumas pessoas mais idosas para quem todos os  cuidados eram poucos. Uma havia que já tinha caído uma vez em terreno plano. Chegou a sangrar da cara.
 

Na descida pudemos observar pessoas judias vestidas de negro, algumas com os trajes do rigor ortodoxo. Em frente dos túmulos homenageavam os seus mortos segundo o seu estilo, numa oração silenciosa acompanhada de vénias sucessivas.
 
 Em certo ponto da estrada por onde descíamos havia um portão à direita para onde fomos encaminhados. Entrámos num amplo espaço cercado de muros altos com ruínas de construções antigas e com árvores diversas, principalmente cedros, oliveiras e laranjeiras.
 
 


 A Igreja Dominus Flevit, o que quer dizer o Senhor chorou, tem a forma de uma lágrima e pretende recordar o momento em que Jesus, avistando a cidade de Jerusalém deste ponto, sentiu uma tristeza enorme por prever que a mesma, que, naquele momento, parecia representativa, bela, grande e imponente, iria ser totalmente massacrada e destruída pelos romanos, mais tarde, no ano setenta da nossa era. Esta igreja é dos monumentos mais recentes da Terra Santa. O desenho é do arquiteto António Barluzzi e foi edificada entre 1953 e 1955. Está sobre a custódia franciscana. No momento da nossa visita não pudemos entrar nela por estar a decorrer uma celebração, sendo o sacerdote visível nesta fotografia.




Logo à entrada havia uma série de necrópoles familiares com restos de vários túmulos, alguns de crianças bem pequenas. Havia sinais evidentes de que arqueólogos experimentados tinham andado por ali. Que registos terão eles feito dos seus achados? Tinha curiosidade em saber. Há seguramente histórias surpreendentes por detrás dessas pedras.


 Andámos mais uns metros e estávamos junto a um horto de oliveiras milenárias, tendo ao lado a  Igreja da Agonia, um monumento erguido no local onde é preservada a rocha em que Cristo, prevendo os seus tormentos, sofreu ao ponto de suar gotas de sangue que caíram sobre essa rocha. Depois regressou à Gruta do Gethsemani, um pouco mais abaixo, que tínhamos visitado cerca de uma hora antes. Foi aí que Judas o foi encontrar para o entregar às autoridades de então. E a partir daí ele seria tratado como um temível e perigoso malfeitor.
Visitaremos a Igreja da Agonia no próximo apontamento.