quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Passagem de ano em Cabo Verde – 6. As crateras do vulcão do Fogo

À nossa frente estava aquele monte enorme do Pico Grande que parecia tocar o céu azul. Era uma negritude quase uniforme, variando de tonalidade aqui e ali, dando origem a pequenas manchas esverdeadas. O sol abrasava e havia no ar um cheiro a terra queimada ligeiramente temperado a enxofre.

A vereda estendia-se à nossa frente mas perdíamo-la de vista mais além quando ela se metia numa curva do relevo. Logo à partida, o ar seco fez-nos sentir a necessidade de beber água.

Andámos cerca de duzentos metros e ainda o terreno era relativamente plano. Mas começava a desenhar-se a encosta íngreme, aparecendo meio submerso o resto daquilo que terá sido uma vinha e um pomar. Havia algumas macieiras, agora carregadas de maçãs. Fizeram-nos lembrar as nossas macieiras bravas e colhi um fruto para experimentar o seu sabor. Era uma maçã meio azeda, dando origem, depois de mastigada, a uma sensação de doce leve com o verdadeiro paladar da maçã.

E íamos avançando. À medida que entrávamos nas entranhas daquela imensa negritude, a inclinação da vereda acentuava-se.

De vez em quando, a montanha fechava-nos o horizonte e envolvia-nos completamente como se nos estivesse a abafar. Para vencermos mais facilmente o declive do terreno subíamos aos ziguezagues. A certa altura olhámos para a frente e para trás e interrogámo-nos se não seria mais prudente regressar já. Não desistimos. Afinal o nosso destino era o Pico Pequeno e não o Pico Grande que, com a sua imensidão, nos estava a esmagar e a levar ao desânimo. No cimo do Pico Pequeno vislumbrámos umas silhuetas de diversas pessoas e isso deu-nos ânimo. Se aqueles puderam também podemos, pensámos. E lá seguimos nos nossos ziguezagues acompanhados pela monotonia do ranger da areia debaixo dos nossos pés, sentindo o coração a bater cada vez mais depressa e o ar a querer faltar-nos. As pessoas que estavam no nosso objectivo iam ficando mais visíveis. Eram dois casais e ambas as mulheres tinham cabelos louros que ficavam meio transparentes na parte em que contrastavam com o céu. O cheiro a enxofre era agora muito forte. O chão apresentava extensas manchas amarelas. É só mais um pouco. Mais um gole de água. O ranger dos sapatos ao pisar a areia vulcânica, sempre monótono desde o início da nossa caminhada, tornava-se agora irritante. Os joelhos já davam de si, acusando uma sensação de dor nas articulações. Mas chegámos. E lá estávamos nós no cimo do Pico Pequeno olhando para as duas caldeiras redondas, bem cavadas no solo, sendo a mais distante maior.

Agora as manchas vincadamente amareladas do enxofre eram mais visíveis. Havia pequenos montes de pedras feitos pelos visitantes.

Um deles quase que representava um homem de chapéu a observar o horizonte. E lá estavam os dois casais que tínhamos visto de longe. Ainda se encontravam sentados, silenciosos na sua contemplação, olhando para o lado de onde vinha a luz do sol. Na paisagem extensa e negra, aparecia, no canto direito do nosso campo de vista, a Chã das Caldeiras, povoação com algumas casas brancas.

No outro lado, erguia-se o Pico Grande, negro, muito alto e largo, imponente, avassalador, bem recortado no céu azul. Lá muito em cima vimos três pequenas nuvens de poeira. Com o zoom da máquina fotográfica vi que eram três pessoas que vinham a descer como se viessem a deslizar por aquela imensidão de cinza.

Respirámos, descansámos. Tirámos fotografias. Muitas. Fomos circundar a caldeira mais pequena e começámos o regresso.

As caldeiras não têm fogo, não emitem fumarolas, apenas espalham um intenso cheiro a enxofre queimado


É bem verdade que para baixo todos os santos ajudam. Aproveitei, durante a descida, para ver as formas bizarras que algumas das rochas assumem após o arrefecimento.

Chegámos junto ao nosso condutor em tempo. Dali ele conduziu-nos a uma exótica pousada na Chã das Caldeiras. É uma pequena muralha em pedra, rectangular, tendo as paredes uns cinco metros de altura. O pátio interior é pitoresco. Tem alguns arbustos verdes e cadeiras brancas de repouso. À volta do pátio, há quartos para alugar a visitantes que queiram pernoitar. Os quartos têm duas camas. Balneários e chuveiros são colectivos. Ouvi dizer que não tem água quente. O nosso condutor disse-nos que a pousada foi construída por um francês de nome Patrick. Que actualmente ele não vive ali mas que a deixou à sua amada crioula que agora a explora. Não sabemos se foi ela que preparou o nosso almoço, mas podemos dizer, em qualquer caso, que estava saboroso. A pousada chama-se Pedra Brabo.

Pátio da pousada Pedra Brabo

Durante o almoço olhava para a pacatez do pátio e pensava comigo: deve ser agradável passar aqui um dia ou dois, tentar ir ao cimo do Pico Grande e tocar o céu com as mãos. E, à noite, descansar neste pátio a contemplar as estrelas.

Campo de futebol de Chã das Caldeiras

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