segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Passagem de ano em Cabo Verde – 8. Uma passagem de ano original

Pelas vinte horas do último dia do ano de 2012 estávamos já no porto da ilha do Fogo. Fomos os segundos a chegar àquele lugar desconfortável, de terra batida, onde os passageiros têm de esperar de pé ou improvisar assentos com as malas ou com alguma pedra ou outro objecto que tenham à mão.
O acesso ao porto propriamente dito é delimitado por uma rede metálica amovível. Chegou entretanto um grupo familiar onde se incluía um casal jovem. Ele e ela, muito comunicativos, logo entabularam conversa connosco criticando as condições daquela sala de espera ao ar livre, dizendo que já estava construída ali ao lado uma boa sala de embarque mas que nunca mais a abriam. Passaram a enaltecer a pacatez e simplicidade da vida na ilha, onde nada acontece. Mas em termos de segurança é muito melhor do que a Praia, pois lá há muitos “casubodis”. Logo esclareceram que esta palavra é uma adaptação ao crioulo da expressão inglesa “cash or body”, ou seja, o dinheiro ou a vida. Ela ia ficar na ilha pois tinha vindo apenas buscar algo que lhe enviaram da Praia. Ele seguia para a Brava onde ia cantar numa festa de passagem de ano. Para quem tencionava chegar à Brava ainda a tempo de ir procurar um local decente para a passagem de ano, o atraso que se ia verificando causava já ansiedade.
O número de passageiros aumentou consideravelmente de um momento para o outro, sinal de que o Kriola estava perto. Apercebemo-nos, assim, de que as pessoas locais estão mais habituadas ao funcionamento do porto e só descem quando têm a informação de que o barco que vem da Praia está já à vista.
Lá apareceu finalmente uma luz a mover-se no horizonte em direcção ao porto. O barco atracou e houve toda a agitação própria de um desembarque.
Até que, finalmente, recebemos ordem para avançar.


Eram vinte e duas e quinze.
Algum tempo depois, o barco começou a mexer-se. O mar tinha alguma agitação mas não era muito difícil de suportar.
Cerca de uma hora depois estávamos a desembarcar na Brava. Descemos para terra na expectativa de que as bagagens nos fossem trazidas como aconteceu no Fogo. E estávamos a olhar se isso ia acontecer. Nisto, o rapaz simpático que conhecemos no porto do Fogo dirigiu-se a nós dizendo: venham comigo; vamos lá acima buscar as vossas malas. E lá fomos até ao porão retirar as bagagens do contentor. Valeu a pena ir para ver como é grande aquele espaço, onde havia animais, principalmente vacas, camionetas carregadas, carros e bagagens. Não fazia ideia da imensidão daquela caverna por debaixo da sala de passageiros do Kriola.
Vimos que não havia táxis. Então aproximou-se de nós um rapaz convidando-nos a ir com ele na sua Hiace, uma carrinha com vários lugares. Logo que a conseguiu encher subimos para a cidade Nova Cintra, que, pelas boas referências que nos deram, tínhamos muita curiosidade em conhecer. É muito parecida com a Sintra de Portugal e daí lhe vem o nome, disseram-nos.
Chegámos ao local de destino, a pensão Viviplace. Estava a receber-nos o dono e gerente, Sr. Vivi, impecavelmente vestido com fato escuro e camisa com colarinho desapertado e punhos brancos, todo bem engomado. Deu-nos as boas vindas acrescentando que estava assim vestido porque tinha sido emigrante nos Estados Unidos durante muitos anos. Pedimos-lhe para nos arranjar um táxi para nos mostrar a ilha no dia seguinte. Mas ele respondeu que na ilha só havia um táxi. E que ia telefonar a uma Hiace que costuma fazer esse tipo de serviço. E assim ficou combinado que no outro dia, o primeiro do ano novo, às dez horas, estaria uma Hiace à nossa espera para nos mostrar a ilha. O pequeno-almoço podia ser tomado até às dez.
Saímos à procura de um sítio aprazível para a passagem de ano. Tínhamos ouvido falar nas festas tradicionais dos violinos, colectividades onde se vestem de branco e tocam e dançam até rebentar. Logo à saída encontrámos três jovens moças, trajadas a preceito que nos perguntaram se íamos para a festa. Mas nem esperaram pela resposta e distanciaram-se.
Dali à praça principal é um pulinho e vagueamos conforme o som que ouvíamos. Porém tratava-se apenas de festas privadas com o habitual ruído de aparelhagem com o batuque rock.
Chamou-nos a atenção a Igreja do Nazareno, ampla, arejada e bem iluminada, onde havia muita gente reunida numa comemoração religiosa de passagem de ano. Passámos ao lado. E seguimos vagueando, respondendo aos cumprimentos simpáticos das pessoas com que nos cruzávamos.
As horas não param com as conversas e estava quase chegada a meia-noite. Fomos para junto do coreto na praça em frente da Câmara Municipal porque aí, como acontece nas praças municipais de Cabo Verde, há rede sem fios com internet livre. E uma vez conectados pudemos passar o ano em conjunto com a nossa querida Família espalhada por Portugal e Panamá, com mil votos de feliz ano novo transmitidos em tempo real pelo éter da atmosfera, graças à internet e aos autarcas da Câmara Municipal da Ribeira Brava.
E foi assim a nossa passagem do ano de 2012 para o de 2013.

1 comentário:

Billy disse...

Por acaso, certa parte da família estava no Canadá, não no Panamá. É só uma questão de consoantes... ;)

Beijinhos!