terça-feira, 20 de maio de 2014

Terra Santa 2014 - 2. O Zelota

Tinha intenção de me documentar o suficiente para que a minha viagem à Terra Santa fosse mais vivida. Casualmente vi no expositor da livraria Bertrand um livro com título apelativo: O Zelota. Li a informação sumária da contracapa e decidi comprá-lo. O autor, Reza Aslan, nasceu no Irão e vive entre Nova Iorque e Los Angeles com a mulher e dois filhos. É considerado um académico de renome. Sendo iraniano deve ter tido uma formação de base muçulmana, mas, no seu livro, não consegue esconder a sua simpatia pela personalidade histórica e religiosa de Jesus Cristo.

Algumas passagens desse livro parecem-me dignas de ser destacadas pelo facto de nos levarem a formular dúvidas em relação àquilo que, num processo educativo de adesão, fomos levados a assumir.

Transcrevo aqui, porque me parecem constituir referência importante, as seguintes passagens:

"0 primeiro testemunho escrito que temos acerca de Jesus de Nazaré vem numa das primeiras epístolas de Paulo. Esta carta terá sido escrita entre os anos de 48 a 50 da nossa era.”

"Os evangelhos são posteriores e nenhum deles, com a possível excepção de Lucas, foi escrito pela pessoa que lhe deu o nome."

"O relato de Marcos foi escrito algures depois do ano 70 da era comum, cerca de quatro décadas após a morte de Jesus."

"Duas décadas depois de Marcos, entre 90 e 100 da era comum, os autores Mateus e Lucas, trabalhando independentemente um do outro e com o manuscrito de Marcos como modelo, atualizaram a história do evangelho, juntando-lhe as suas próprias tradições exclusivas, incluindo duas narrativas diferentes e contraditórias da infância, bem como uma série de complicadas histórias da ressurreição para satisfazerem os seus leitores cristãos. No seu conjunto, estes três evangelhos, Marcos, Mateus e Lucas, tornaram-se conhecidos como Sinópticos (em grego "vistos juntos"). Estão em grande medida em contradição com o quarto evangelho, o de João, que provavelmente foi escrito pouco depois do fim do século I, entre 100 e 120 da era comum. São, portanto, estes os evangelhos canónicos, mas não são os únicos evangelhos. Hoje temos acesso a toda uma biblioteca de escrituras não canónicas redigidas principalmente nos séculos II e III que dão uma perspetiva muito diferente da vida de Jesus de Nazaré. Nelas se incluem o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Filipe, o Livro Secreto de João, o Evangelho de Maria Madalena, e uma quantidade dos chamados textos gnósticos descobertos no Alto Egito, perto da localidades Nag Hammadi, em 1945."

"No fim, há apenas dois factos históricos sólidos acerca de Jesus de Nazaré em que podemos ter confiança. O primeiro é que Jesus de Nazaré foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I da era comum. O segundo é que Roma o crucificou por o fazer."

Ao tempo do nascimento de Cristo "o vilarejo de Nazaré é tão pequeno, tão obscuro, que o seu nome não aparece em nenhuma antiga fonte judaica antes do século III da era comum - nem na bíblia hebraica, nem no Talmude, nem no Midrash, nem em Josefo. É, em suma, um local inconsequente e completamente olvidável. É também a localidade onde provavelmente Jesus nasceu e foi criado. Que ele seja natural desta aldeia estreitamente delimitada com umas centenas de judeus pobres pode muito bem ser o único facto respeitante à infância de Jesus acerca do qual podemos ter bastante confiança. Jesus era tão identificado com Nazaré que foi conhecido ao longo da sua vida simplesmente como "o Nazareno". Então porque é que Mateus e Lucas - e só Mateus (2:1--9) e Lucas (2:1 - 21) - afirmam que Jesus nasceu não em Nazaré mas em Belém, ainda que o nome de Belém não apareça em mais parte nenhuma do Novo Testamento (nem sequer em mais parte nenhuma em Mateus ou em Lucas, ambos os quais se referem repetidamente a Jesus como "o Nazareno", salvo num único versículo do Evangelho de João (7:42)?

"... A ressurreição não é um acontecimento histórico. Talvez tenha tido reverberações históricas, mas o acontecimento em si mesmo sai do âmbito da história e entra no domínio da fé. É, de facto, o teste supremo da fé dos cristãos, como Paulo escreve na carta aos Coríntios: se Cristo não tivesse ressuscitado, a nossa prédica era inútil e a nossa fé era vã. (1 Coríntios 15:17)."

"Fossem quais fossem as línguas que Jesus falasse, não há razão para pensar que soubesse ler ou escrever em qualquer delas, nem sequer em aramaico. A descrição que Lucas faz de Jesus, com doze anos, de pé no Templo de Jerusalém, a debater os pontos mais subtis das escrituras hebraicas com rabinos e escribas (Lucas 2:42-52), ou a sua narrativa de Jesus na (inexistente) sinagoga de Nazaré a ler o papiro de Isaías para espanto dos fariseus (Lucas 4:16-22) são ambas tramas fabulosas da autoria do próprio evangelista. Jesus não teria acesso ao tipo de educação formal necessária para tornar mesmo remotamente credível a descrição de Lucas. Não havia escolas em Nazaré para as crianças camponesas frequentarem. Qualquer formação que Jesus tenha recebido terá vindo diretamente da sua família e, considerando o seu estatuto de artesão jornaleiro, ter-se-ia concentrado quase exclusivamente na aprendizagem da profissão do pai e dos irmãos."

“Não há argumento racional que se possa opor à ideia de que Jesus fazia parte de uma grande família que incluía pelo menos quatro irmãos que foram citados nos evangelhos - Tiago, José, Simão e Judas - e um número desconhecido de irmãs que, embora mencionadas nos evangelhos, não o são pelo nome. Muito menos se sabe acerca do pai de Jesus, José, que desaparece rapidamente dos evangelhos depois das narrativas da infância de Jesus. Há consenso quanto a José ter morrido enquanto Jesus ainda era criança. Mas há quem acredite que na realidade José nunca existiu, que foi uma criação de Mateus e Lucas - os únicos evangelistas que o mencionam - para explicar uma criação muito mais controversa: o nascimento virginal. Por outro lado, o facto de tanto Mateus como Lucas contarem o nascimento virginal nas narrativas da infância, apesar da convicção de que não saberiam absolutamente nada da obra um do outro, indica que a tradição do nascimento virginal era antiga, talvez anterior ao primeiro evangelho, o de Marcos. Por outro lado, fora das narrativas da infância de Mateus e Lucas, o nascimento virginal não é sequer sugerido por mais ninguém no Novo Testamento: nem pelo evangelista João, que apresenta Jesus como um espírito sobrenatural com origens terrenas, nem por Paulo, que vê Jesus literalmente como encarnação de Deus. Essa ausência levou a muita especulação sobre se a história do nascimento virginal foi inventada para mascarar uma realidade desconfortável acerca da paternidade de Jesus - nomeadamente de ter nascido fora do casamento.

Na realidade, este é um velho argumento apresentado pelos adversários do nascimento de Jesus desde os seus primeiros dias. O escritor do século segundo, Celso, conta uma história indecente que afirma ter ouvido a um pastor palestiniano que a mãe de Jesus fora emprenhada por um soldado chamado Pantera. A história de Celso é tão claramente polémica que não pode ser levada a sério."

Estas transcrições são apenas exemplos dos delicados temas que o livro aborda, numa perspectiva de quem procura o facto histórico decidido a só dar passos em frente sobre bases sólidas sob o ponto de vista estritamente humano, sem prejuízo de formular as questões que se lhe afigurem lógicas.

Daí que, após a leitura deste livro, a minha já grande curiosidade tivesse aumentado ainda mais em paralelo com o desejo de conhecer os lugares onde, no seu tempo e no seu espaço, os factos bíblicos ocorreram.

Era muito importante ir ver… para crer...

MAPA DA TERRA SANTA AO TEMPO DE JESUS

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