sexta-feira, 8 de março de 2013

Passagem de ano em Cabo Verde – 25. Um Platô cheio de história

Do Hotel Pestana Trópico até ao Platô, a colina mais antiga da cidade da Praia, fomos a pé. O percurso é relativamente longo mas faz-se bem seguindo pelo passeio marginal. A aragem que vem da baía ajuda-nos a compensar o calor do sol. No lado esquerdo temos um casario colorido e alinhado ao longo da estrada e arrumado na colina, em que sobressai, porque está identificada, a Embaixada do Brasil. E no lado da praia, dita do Gamboa, vemos, logo no início, as carcaças de dois barcos naufragados e abandonados, e depois um excelente campo de manutenção física com vários aparelhos para utilização livre dos cidadãos.




A seguir temos no lado esquerdo o edifício da central eléctrica que é muito bonito e está bem cuidado. E seguimos o nosso percurso.


E à frente vai ganhando volume o Platô, a colina onde se desenvolveu a cidade da Praia com a cabeça de toda a sua organização governativa e administrativa das ilhas de Cabo Verde.


Parece uma grande caravela virada para o mar, com um grande timoneiro na proa, neste caso a estátua do navegador Diogo Gomes. Um pouco mais atrás está um grande obelisco e que imaginamos como sendo o mastro principal dessa enorme caravela comandada por Diogo Gomes.


Subimos ao convés da caravela e logo notamos pelas datas, 1460 1960, que o obelisco é um marco comemorativo dos quinhentos anos dos descobrimentos. Mas a praça em que se encontra causa-nos um grande choque porque tem a linguagem veemente do abandono e destruição, embora esteja limpa.




No obelisco todos os dizeres informativos se perderam com a excepção das datas, que escaparam porque estão lá muito no alto. A estranha linguagem é intensificada pelo contraste da praça destroçada com o cuidado colorido dos edifícios envolventes, nomeadamente a Presidência da República, que fica mesmo ao lado.



Também os dizeres informativos da grande estátua do navegador Diogo Gomes desapareceram.


Só conseguimos saber que era a estátua de Diogo Gomes porque fomos ver aos livros.


As vistas a partir do Platô são abertas, vastas, deslumbrantes. Conseguimos ver a selecção nacional de Cabo Verde, os Tubarões Azuis, no estádio da Várzea, em preparação para o campeonato africano de futebol que se efectuou no início de 2013 e em que a selecção teve um desempenho notável.


Logo abaixo vemos uma rotunda que tem no meio três varões de ferro brancos com alturas diferentes. O conjunto é conhecido por o monumento à fome. Cabo Verde, devido à sua localização geográfica e às condições climáticas com pouca chuva, atravessou, no passado, picos de fome, por vezes com erupções sociais violentas. Este monumento pretende recordar uma dessas desastrosas ocorrências ocorrida em 20 de Fevereiro de 1945 quando, no seguimento de tumultos gerados pela fome, houve o assassinato em massa de 232 pessoas e o ferimento grave de 47. Hoje, felizmente, os tempos são outros, com mais e melhores recursos. Um bom planeamento da logística e dos recursos de frio e conservação bem como um melhor aproveitamento dos recursos locais permitem garantir a armazenagem de alimentos suficiente para prevenir crises sociais graves como as que ocorreram no passado.

O antigo quartel mantém os seus traços originais, sendo ainda visível num canto a carcaça de um velho carro de combate aí abandonado pelo exército português.



O Platô é, no seu conjunto, um precioso manual de história. Muitos dos nomes originais das ruas (por exemplo Serpa Pinto, Fontes P. de Melo, Alexandre Corvo, Banco Nacional Ultramarino, Visconde São Januário) foram preservados. Há estátuas de antigos governadores que se encontram bem conservadas.





A Praça Alexandre Albuquerque, nome de um homem que foi duas vezes governador de Cabo Verde e que a mandou construir em 1924, é um excelente exemplo da boa estética e arquitectura e do respeito dos cabo-verdianos pela sua história do passado.


Para ali convergem as outras ruas com as suas diversificadas actividades. O espaço é amplo e harmonioso. Ali sentado, em qualquer ponto da praça, o cidadão vê a Câmara Municipal, a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Graça, a Casa Feba e a Casa do Leão. O coreto é elegante e está bem cuidado. A praça é iluminada por energia solar. Tem internet livre o que muito contribui para que seja um excelente ponto para repouso e convívio.

No outro extremo do Platô está o edifício do Liceu que, com o bairro envolvente, é um bom exemplar da história e da elegância da arquitectura do século passado. O liceu foi construído em 1960 e foi então chamado Liceu Adriano Moreira. Pouco tempo após a independência, os cabo-verdianos decidiram rebaptizá-lo com o nome de Domingos Ramos, um natural de Cabo Verde que morreu nas matas da Guiné Bissau durante a guerra colonial.


Uma rua pedonal, a Rua 5 de Julho, liga a Praça Alexandre Albuquerque à Praça Domingos Ramos onde o liceu se encontra. No percurso é possível ver muitos edifícios ainda na sua traça antiga, de cores variadas, e dar uma olhadela ao colorido mercado municipal.




Para descansar escolhemos a esplanada do Restaurante Aviz, local que nos recomendaram para uma bebida ou uma refeição. Aí almoçámos, mas, francamente, ficámos muito desapontados com o serviço, incomodados com o tempo que nos fizeram esperar, e pela fraca qualidade da comida. Enfim, no nosso ponto de vista e de acordo com a experiência que tivemos, apenas a localização justifica a menção deste restaurante.


Do Platô descemos à Várzea para darmos uma olhadela ao mercado tradicional de Sucupira. É um vasto espaço coberto com tendas e tendinhas coladas umas às outras, onde se vendem panos coloridos e vemos alfaiates artesanais em plena laboração. Aí estão expostos os mais diversos artigos, não faltando a música das aparelhagens dos estabelecimentos que dão ao local o ambiente de uma feira. Atravessámos quase todo o espaço do mercado para chegarmos àquela que nos parecia ser a última tenda. E foi aí que começámos a mexer nos tecidos enquanto o lojista nos observava e nos ia fazendo recomendações. A certa altura ele pegou numa peça de tecido e tirou medidas com o seu metro em madeira. Eu ajudei e depois comentei que era um bom emprego ficar ali como ajudante dele. Ele riu-se e disse que nunca se sabe, com esta crise… E perguntei-lhe como se chamava e logo contou a sua história. Rocha Vicente. Esteve em Portugal durante o serviço militar. Fez a recruta e a especialidade em Viseu. Foi incorporado num batalhão para Angola. Foi desmobilizado em Março de 1974 e um mês depois deu-se o 25 de Abril. Agora, se a vida lhe correr bem, ainda gostava de voltar a Portugal para rever amigos e os lugares que conheceu.

E eu espero voltar a Cabo Verde e ao mercado de Sucupira para rever o amigo Rocha Vicente e voltar a comprar tecidos coloridos na sua tenda.

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