quarta-feira, 21 de maio de 2008

MAIO DE 68? OUVI FALAR.... OUÇO FALAR .... MAS PARA MIM NÃO EXISTIU......

Maio de 68? Ouvi falar.... Ouço falar.... Mas para mim não existiu...

Nessa altura, tinha eu acabado de fazer 23 anos e o meu destino tinha-me desviado para o lado do mundo, oposto ao local onde ocorreu o Maio de 68, mais precisamente para a Guiné. Com efeito, na madrugada de 24 de Abril desse ano, quarta-feira, embarquei no Aeroporto de Lisboa, Figo Maduro, num NorthAtlas da Força Aérea e desembarquei em Bissau, nesse mesmo dia, quando já o calor apertava. A viagem foi directa.

No começo do fim de semana anterior, saí do quartel de Santa Margarida com a guia de marcha para a Guiné. Fora destacado para ir primeiro que a Companhia, com o 1.º Sargento Santos, integrando os dois a chamada comissão de quartéis. Iríamos receber o equipamento que iria ser entregue aos militares da Companhia logo à chegada a Bissau para daí continuarem, já armados e equipados, a sua viagem para o mato.

Aproveitei esse fim de semana para vadiar pela cidade de Lisboa juntamente com outros camaradas que tinham saído comigo de Santa Margarida. Não me lembro bem de tudo o que fiz nesse fim de semana. A minha intenção era comer e beber bem e esquecer o destino escrito na guia de marcha. Lembro-me, contudo, que, uma das passagens da vadiagem nocturna foi pela "Boite O Tosco", no Conde Redondo. Recordo essa passagem por causa de duas situações curiosas.

Primeira: Quando, com os meus camaradas, entrei no Tosco, que era numa cave, vieram as generosas meninas perguntar se queríamos a sua companhia e pedir que lhes pagássemos uma bebida. Curiosamente, a que se dirigiu a mim era minha conhecida, pois tinha sido minha colega nos Correios, quando por lá trabalhei. Ela reconheceu-me, corou que nem um tomate, gaguejou na fala, mas não se desfez. E eu também não. Quando soube que eu ia embarcar para a Guiné no dia seguinte, sentiu alguma compaixão mas não tardou a mudar para outro poiso.

Segunda: Entrou um grupo de marines americanos fardados e todo o mulherio do Tosco voou na sua direcção dependurando-se neles como gravatas. Guardo bem a imagem e o alarido da cena. Por informação das meninas souberam que nós íamos para a a guerra da Guiné e quiseram fazer grupo connosco. Afinal tínhamos algo de comum, pois eles também estavam de viagem para a guerra, se bem que para a do Vietname. Fizemos grupo por algumas horas e lembro-me de ter descido a Avenida da Liberdade com eles, já de madrugada, até à altura da Rua das Pretas. Aí eu desviei para a Calçada do Moinho do Vento, n.º 24, onde estava alojado. Ainda fiquei com os nomes e os números de alguns dos marines mas não sei o que lhes fiz.

Na noite do dia 23 de Abril apanhei um táxi no Campo de Santana. Ao dizer ao taxista que ia para o Aeroporto, ele, ao ver-me fardado, disse logo Figo Maduro e adivinhou que eu ia para a Guiné. Quando lá cheguei despediu-se de mim com muito afecto e desejou-me boa sorte. Também recordo bem este episódio pois foi a única pessoa que, nessa noite, se despediu de mim no Aeroporto. Havia, no barracão militar, muitos familiares dos militares que iam partir. Mas eu não tinha ninguém.

A viagem para a Guiné, no dia 24 de Abril de 1968, foi o meu baptismo de voo. E, talvez por isso, também a recordo muito bem. Fiquei impressionado com o espaço interior do avião. Os bancos eram feitos de barras e os assentos eram feitos com francaletes idênticos aos das mochilas e estendiam-se em duas fiadas: uma junto às paredes e outra em oval no interior, tipo mesa de jantar. Os militares que me rodeavam eram todos sargentos já com alguma idade que mostravam grande descontracção. Em breve puseram uns sacos a servir de mesa de jogo e começaram a jogar às cartas com os parceiros sentados à sua frente. Os de um lado e os do outro. Eu preferi não jogar e fechei os olhos para reflectir e ouvir melhor o rom-rom dos motores do avião que, por vezes, entrava numa espécie de pista de esqui dando origem a que o ruído dos motores aumentasse de imediato. A viagem demorou perto de seis horas.

A chegada a Bissau foi marcante: o sol muito quente, o bafo da humidade, a terra vermelha. Mais ao longe, podia ver o verde do arvoredo meio tapado pela bruma. Parecia que estava atrás de um espelho de água...

Estava na Guiné para preparar o aquartelamento da Companhia que iria chegar uns dias depois.

A Companhia chegou, recebeu armas e equipamento e continuou a viagem para o norte interior da Guiné, mais concretamente para o Olossato.

Lá não havia jornais, eu não ouvia rádio e a televisão não existia. E só muitos meses mais tarde é que ouvi falar vagamente de que tinha havido distúrbios de estudantes em França. Mas isso não me pareceu nada de anormal. Afinal em Portugal também os havia de vez em quando.

O Maio de 68 passou-se muito longe de mim....

1 comentário:

Ana disse...

Que relato tão interessante! Fico à espera de mais recordações!