No último apontamento da nossa viagem a Cabo Verde, tínhamos acabado de almoçar na Pousada Pedra Brabo, em Chã das Caldeiras, na ilha do Fogo. É lá que está a fábrica do vinho de Cabo Verde que é comercializado com o rótulo “Chã”, Vinho do Fogo, branco e tinto. É um vinho com um paladar muito característico e que tivemos oportunidade de beber por diversas vezes. É de sabor agradável e pode competir perfeitamente com muitos dos vinhos portugueses. Foi pena que não tivéssemos tido a oportunidade de visitar a fábrica do vinho.
A estrada acaba ali na Chã das Caldeiras e a continuação da viagem implica, necessariamente, fazer o percurso pela estrada por que seguimos para lá chegar. Não é tempo perdido repetir esse mesmo caminho. Dá para admirar, mais uma vez, essa mole imensa de lava seca que, há uns anos, o vulcão cuspiu e que foi cair por ali como chuva de grandes bolas de fogo ou correu como lama em brasa pelos pontos da ilha mais inesperados, submergindo ou queimando tudo em que tocava.
Quando chegámos à Achada Furna, desviámos para a estrada que percorre a parte marítima da ilha, pelo lado nordeste e norte, passando por Mosteiros e muitas outras povoações mais pequenas, até regressarmos à capital da Ilha, S. Filipe.
A estrada é sinuosa, apertada, com pouca sinalização e sem rails de protecção. O cruzamento com outros veículos é feito com muito cuidado.
Tínhamos percorrido alguns quilómetros e, um pouco antes de Cova Figueira, vimos que estava algo no meio da estrada. Com o aproximar do nosso carro, levantou-se, sem pressa, um homem de estatura média, vestindo um casaco escuro que lhe dava até aos joelhos. Afastou-se uns metros da valeta. Ficou de costas para a estrada, feito estátua. Ao passar vi que segurava uma faca de lâmina comprida, tipo faca de mato, na mão direita. Seguimos como se não o tivéssemos visto. Pelo retrovisor do carro vi que, após termos passado, ele se foi deitar novamente na estrada.
Episódio bizarro, este, mas que não mereceu qualquer reacção ou comentário por parte do nosso motorista, o Sr. Emílio.
Fomos parando aqui e ali para admirarmos a paisagem e ver os rios de lava seca dependurados nas encostas, chegando alguns deles até ao mar e ficando, por vezes, suspensos nas falésias.
São impressionantes as formações de rocha vulcânica, as casas de cores diversas alcantiladas nos sítios mais incríveis da encosta que vai até ao topo do Pico Grande. A vegetação natural da ilha, na parte norte, é mais abundante e verde porque a humidade é maior.
Notámos, em particular, as numerosas teias de aranha, que constituem autênticas redes de campanha montadas entre as diversas árvores e arbustos. As aranhas são grandes e coloridas. O Sr. Emílio disse que são inofensivas.
A certa altura cruzámo-nos com um jeep castanho e aí o nosso condutor comentou: é o presidente da câmara e a mulher. É uma figura muito conhecida e respeitada na ilha.
Já muito perto do centro de Mosteiros, a estrada atravessa um largo que, àquela hora, estava pejado de gente. As pessoas seguravam papelinhos e olhavam para um homem que, num ponto mais alto, gritava como os feirantes, que, pelos nossos mercados, costumam vender a banha da cobra.
O carro disputou a passagem com peões que, meio distraídos, olhavam para o pregoeiro e o escutavam atentamente.
Depois de passarmos esta multidão, o Sr. Emílio explicou o que se passava. É a tômbola. As pessoas compram um número ou mais. E logo vai haver o sorteio. Quem ganhar vai ter mais uma boa razão para uma alegre passagem de ano.
Em Mosteiros detivemo-nos um pouco junto ao porto para ver os barcos resguardados do mar e as salinas.
Está ali construído um Auditório Municipal, inaugurado recentemente e que tem muito bom aspecto exterior.
Continuámos a viagem pela estrada sinuosa até chegarmos a um miradouro com vistas soberbas sobre Mosteiros e áreas vizinhas. Aí nos detivemos em observação ouvindo as explicações que o nosso guia nos dava.
No percurso seguinte, a vegetação é abundante e exuberante, predominando as bananeiras, papaieiras e mangueiras. Encontrámos, com frequência, cabras a pastar junto à estrada ou espalhadas pelas encostas verdejantes.
A próxima paragem foi em Salinas, umas furnas junto ao mar com condições naturais muito bonitas.
O mar batia com estrondo nas rochas salpicando-nos com a espuma que cuspia e atirava até nós. O local já teve animação, pois tinha uma pensão, local onde era possível pernoitar, com bar e um bom restaurante. Hoje o local está abandonado e vandalizado com muito lixo acumulado no interior.
As pinturas ainda visíveis nas paredes de uma das salas, permitem-nos imaginar animados bailes que se prolongariam pela noite dentro.
As casotas onde os pescadores guardam as artes, alinhadas como balneários de um campo de futebol das nossas terras do interior, contribuem para o cariz pitoresco do local.
Na viagem parámos ainda em mais três sítios.
Uma primeira vez para admirarmos um volumoso palacete, construído por um emigrante na América. Foi ele que construiu tudo o que ali está com as próprias mãos. O que não pôde fazer mandou vir dos Estados Unidos. De notar que a aculturação deste emigrante o leva a manter içada, em local de destaque, a bandeira americana.
Uma segunda vez para admirarmos uma grande árvore, um embondeiro, com um tronco que, no dizer do nosso guia, só onze homens de mãos dadas conseguem abraçar.
E uma terceira vez para vermos por fora a Igreja de S. Miguel que o nosso guia menciona como tendo sido a primeira igreja construída na ilha, embora já restaurada diversas vezes. À volta as construções fazem lembrar uma antiga povoação do norte de Portugal, com convento e cemitério.
Regressados ao Hotel Xaguate combinámos com o Sr. Emílio que nos retomaria por volta das dezanove e trinta para nos levar ao porto.
Foi muito bem aproveitado o último dia de 2012. Sentimo-nos compensados porque a ilha do Fogo é verdadeiramente bonita. E o nosso motorista e guia recomenda-se.
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