domingo, 11 de julho de 2010

A HISTÓRIA DO MEU PRÓXIMO E DAS HÓSTIAS CONSAGRADAS.

Hoje, 11 de Julho de 2010, domingo, fui à missa do meio dia, na Basílica da Estrela. O texto do Evangelho foi aquele em que um sacerdote do Templo perguntou a Jesus, para o provocar, quem era o seu próximo. Após a leitura da parábola bíblica, a minha mente derivou para a contextualização da resposta de Cristo nos tempos modernos.

A história agora seria contada mais ou menos assim:

Um alto dignatário israelita ia numa estrada para Jerusalém. A certa altura, foi vítima de carjacking violento em que salteadores encapuzados lhe roubaram tudo, o agrediram selvaticamente e o abandonaram nu e moribundo na berma da estrada.

Mais tarde passou um judeu com altas funções religiosas. Viu que havia qualquer coisa estranha na berma da estrada, parou aproximou-se tapando o nariz com dois dedos da mão direita e disse apenas “Coitado!” . E seguiu em frente.

Passou depois um outro israelita, também com funções relevantes, talvez religiosas, militares ou mesmo políticas e fez exactamente a mesma coisa. Porquê proceder de outro modo se o destino desse pobre estava exactamente marcado para ali. E naquelas condições.

E, por acaso, passou ainda um outro viajante, um palestiniano, talvez um vendedor de artesanato, com uma pasta de documentos no tablier do carro cheia de salvo-condutos, com vistos e mais vistos, que, vendo, junto à berma, um monte de qualquer coisa que ainda mexia, parou.

Viu, pela barba, que seria um judeu tradicional, mas o seu coração condoeu-se com o sofrimento dele. Com os meios que tinha, prestou-lhe os primeiros socorros. Meteu-o no carro e conduziu-o até ao primeiro hospital. Pediu para o tratarem, assinou um slip do seu cartão de crédito em branco, como garantia de que pagaria tudo.

Contudo, a polícia veio a seguir para o interrogar e não acreditou na sua história. E começou a usar dos seus métodos para o obrigar a contar a verdade. Esgotados pelo esforço, os agentes acabaram por assinar um relatório onde estava sublinhada a frase:

“Este é daqueles terroristas que não quis confessar!”.

E foram-no entregar nas urgências para ser tratado.

Sem mais nem menos, o condoído palestiniano viu-se nos cuidados intensivos ao lado do homem judeu que tinha socorrido. Reconheceram-se. Conseguiram falar. Cruzaram as suas histórias e indignaram-se com a situação. Juraram aí fazer um pacto de proximidade para, a partir dali, lutarem publicamente para mostrar que cada um deles é “o próximo do outro”.

Após estas divagações, reparei que a missa estava quase no fim. A minha cabeça quando fica ocupada não me deixa notar o que se passa à minha volta. Tudo o que faço é por mera reacção reflexa ou por mero acompanhamento dos outros.

A comunhão já estava a ser distribuída. A fila do lado esquerdo, comungava e dirigia-se para a coxia lateral. Eu estava sentado na ponta do banco da quarta ou quinta fila e ainda a questionar-me sobre se seria correcto comparar um samaritano dos tempos bíblicos a um palestiniano da actualidade.

As pessoas iam passando mesmo ao meu lado. Algumas mexiam ainda a boca como se estivessem a comer uma verdadeira fatia de pão. Umas traziam as mãos cruzadas no peito. Outras iam com as mãos a abanar ou cruzadas atrás das costas. Todos iam passando na sua serenidade.

E a história da missa estaria esgotada aqui, no assim assim dos factos, que, por serem normais, não constituiriam nenhuma história.

Só que, de repente, houve um alvoroço. Um dos sacristães, um homem da casa dos quarenta com uma careca bem luzidia, veio em correria empurrando as pessoas e passando como podia por entre elas, dizendo: “Desculpe!, desculpe!”.

E mesmo ao meu lado, barrou o caminho a duas senhoras que agarrou pelos respectivos braços. Uma era mais velha e estava vestida normalmente. A outra, da casa dos trinta, bem feita, pele morena, tinha uns calções de ganga coçada muito curtinhos e um top cor de rosa que deixava ver os ombros e metade dos seios. Pensei que seria a roupinha desta a razão da arruaça e que me iria deliciar a ouvir o sacristão a passar-lhe um raspanete pela evidente ousadia na maneira como se vestia. Mas não foi assim.

Continuando a barrar-lhes o caminho e segurando-as a ambas pelos braços, disse-lhes em voz bem audível e peremptória:

- As senhoras ou comungam as hóstias ou mas dão de volta!

Elas, trocaram olhares. A mais velha abriu um paninho que tinha na mão esquerda e tirou de lá a hóstia que meteu na boca. A mais nova queria passar despercebida. O sacristão fixou-a nos olhos e disse-lhe com firmeza:

- E a senhora também!

Ela então abriu o punho fechado da mão esquerda, tirou de lá a hóstia com a mão direita e meteu-a na boca.

O sacristão desviou-se e elas seguiram o seu caminho.

À minha volta gerou-se um sururu de cochicho que continuou em surdina até a missa acabar.

Logo que se ouviu o prior a dizer: “Vão em paz e que Deus os acompanhe!”, houve a explosão súbita dos comentários em voz alta que passaram para muito exaltados.

- Desenvergonhadas! Vêm às hóstias a mando das bruxas! Isto é para rituais satânicos! Malvadas....

E mais ... E mais...

PS. O Diário de Notícias de 15 de Fevereiro de 2013, chamou o assunto das hóstias para a primeira página, como uma grande preocupação da Diocese de Bragança. Pelos vistos trata-se de um assunto actual que vai sendo cada vez mais comum.

2 comentários:

Billy disse...

Gostei muito da parábola actualizada aos tempos modernos e ri-me a bandeiras despregadas com as senhoras das hóstias. Para que é que as usam, mesmo?

Mariana Ramos disse...

Que é estranho alguém aproximar-se da "mesa da comunhão" e afinal não comungar, lá isso é. E guardar a hóstia também é estranho, mas não acredito em bruxarias. Até pode ser que façam essas coisas, mas os resultados... só na mente das pessoas.