Eram a seguir escoltados até ao barracão que seria a sua morada até… não sabiam quando. Se eram guineenses ou angolanos eram conduzidos para a parte direita do campo por uma porta que se abria quase ao fundo da rua, antes do posto médico. Se eram cabo-verdianos eram conduzidos para a porta da parte oposta. No caso de serem portugueses não conseguimos adivinhar para onde é que os levariam.
Podemos imaginar a cena. As pesadas portas metálicas abriam-se e fechavam-se com estrondo. Os ferrolhos rangiam devagarinho, com um ruído que esfarrapava os ouvidos. Estes barulhos eram como que um aperitivo oferecido aos recém-internados para lhes servir de música de fundo nos sonhos da primeira noite no campo.
O simples pensar nestas coisas provocou-nos calafrios e obrigou-nos a olhar, mais do que uma vez, para os portões da entrada principal para confirmar se se mantinham efectivamente abertos.
O pavilhão é bastante comprido. Ao fundo há uma espécie de reservado com latrinas e lavatórios. Este espaço tem aspecto de já ter sido devassado após libertação dos presos pois tudo o que podia ser partido e levado falta agora ali: canos, torneiras, lavatórios e portas. Deve ter acontecido algo semelhante ao que aconteceu com o muro de Berlim onde deu a febre a muita gente para ir lá partir um pedacinho do muro para depois o tentar vender a curiosos.
Começámos a observar a documentação e verificámos que, afinal, o nome do campo, aquele que aparece nos documentos oficiais é “Campo de Trabalho de Chão Bom”.
Tínhamos iniciado a nossa observação, quando se aproximou de nós e nos interpelou um turista solitário, alto e com pele e cabelos ruivos. Falava um inglês não nativo e quisemos logo saber de onde era.
Era holandês e viajava sozinho por Cabo Verde. Estava ali com muito interesse pois tinha visitado recentemente Auschwitz e estava a fazer uma tese sobre campos de concentração. Mas estava desapontado. “Disapointed” foi o termo que ele usou. Dada a fama do campo de concentração do Tarrafal estava à espera de encontrar ali vitrinas com muitas caveiras e outros ossos humanos. Mas não via nenhuns. Só tinha visto afixada na parede uma curta lista de gente ali falecida.
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E entendia que era normal haver sempre gente que morre.
Dissemos-lhe que Auschwitz e Tarrafal eram duas realidades muito diferentes. Enquanto um era de extermínio, o outro era de detenção. E ele disse que afinal as coisas ali no Tarrafal não eram assim tão más. Ao que respondemos que aquilo ali não era propriamente um hotel. E coitados daqueles que tiveram de passar por lá.
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