sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

EM 2009, UMA HISTÓRIA DE NATAL DE 1969

Em Outubro de 1969, estava eu na Guiné, no aquartelamento do Cacheu e lembrei-me de que o Natal se aproximava e que, mais uma vez, o iria passar ali no inóspito ambiente de guerra e no clima tropical. Com saudade, peguei num aerograma e escrevi, numa assentada, uma pequena “História de Natal” que mandei para o Sr. Padre Gama, pároco da freguesia da minha terra natal, e que ele publicou no Jornal “Notícias da Capinha” de Janeiro de 1970.

Algumas semanas depois de ter escrito esta história, caímos numa emboscada terrível onde morreu esventrado por uma granada de basuca o nosso camarada Telo (de Caxias) e ficaram feridos outros. Assim, no fim do mês de Novembro já eu estava no Hospital da Estrela. Foi lá que passei o Natal desse ano de 1969.

E agora a tal pequena “História de Natal”:

O NATAL DO QUIM

O Quim já apareceu mais vezes neste jornal. Um tanto franzino e pequeno, de cara bonita coroada com cabelos doirados e de grandes olhos castanho-escuros e redondos, orlados de pestanas reviradas e compridas e de sobrancelhas louras. É um tanto pacato, é um tanto traquinas. É um pequeno inocente e já se preocupa com a vida. Na sua casa pobre falta muita coisa.

Não lhe estivesse nunca vazio o mealheiro e um dia seria doutor, com óculos e tudo.

Nas vésperas do último Natal, houve um dia em que a mãe, desesperada por estar tanto tempo sem o marido, saiu precipitada e chorosa gritando que se ia matar. Ele foi discretamente atrás dela até a um palheiro arrendado pelo seu pai, que fica a umas centenas de metros de distância. A porta estava entreaberta. Estava frio e escuro lá dentro, mas lentamente a sua visão foi-se ambientando e ficou de alma invadida com um calor feliz, quando conseguiu ver a mãe recostada num monte de palhiço, meio apodrecido, como que a querer descansar. Olharam-se. Passados segundos, o Quim estava aninhado no seu colo.

Decidiram ir para casa. Fecharam o ferrolho da porta do palheiro e puseram-se a caminho. Estava a escurecer. Dos telhados da aldeia erguiam-se lentas espirais de fumo. Isolados rumores de conversas saíam das janelas das casas e alguns latidos muito espaçados davam vida à noite que ia engolindo as sombras das pessoas e das coisas.

No dia de Natal, a mãe deu-lhe um camiseta e umas calças novas e uns sapatos para estrear. Ele foi à igreja... Mas a gente era tanta que não conseguiu chegar ao presépio. Mesmo assim, era belo tudo aquilo. Os cânticos: era a vizinha que cantava com mais força. O cheiro do incenso um tanto adocicado, o perfume quente da cera a arder... E quando o Quim beijou o Menino parecia-lhe mesmo que ele se mexia. Mas a gente era tanta e ele queria falar a sós com o Menino Jesus e prometeu-lhe que voltaria lá sozinho.

No dia seguinte à tarde, já o sol se escondia espreitando através de uma janela aberta entre as nuvens cor de fogo que ameaçavam chuva... O Quim dirigiu-se à porta da igreja, conseguiu abrir o trinco e enfiou-se pela fresta da entrada da porta meio fechada. Queria falar a sós com o Menino Jesus.

Chegou-se ao presépio e ali ficou um momento de braços cruzados, colocando depois os braços atrás das costas com as mãos enlaçadas, como fazem os homens adultos quando estão na igreja. Fixou, por momentos, o olhar nas tiras de papel de prata que, entre o musgo verde, imitavam lagos frescos e repousantes. Aproximou-se um pouco mais. Viu a luz da lamparina trêmula e sentiu-se tremer também. E a pouco e pouco deslocou o olhar por aquelas casas pequeninas e brancas quedando-se na Família Sagrada. Então foi como se a graça o envolvesse e o iluminasse e lhe virasse a página da vida amarga que tinha tido no passado.

E dizia baixinho: Nossa Senhora olha para o Menino Jesus como a minha mãe olha para mim. Mas o meu pai... sempre na França.. sozinho.. e não vem cá neste Natal. Sentia o seu coração pequenino abrir-se e ficar cheio de esperança, de promessas que o Menino lhe pareceia fazer, de ternura. Olhando bem a imagem de Nossa Senhora, reparou que a cara dela até era parecida com a de sua mãe.

Sentia-se agora feliz. Teve a primeira visão diferente do mundo em que nascera. Apetecia-lhe ficar ali silencioso diante daquele presépio. Tirou os cinco tostões do bolso que há muito tempo tinha guardados em casa e que se lembrara de trazer para o Menino Jesus. Colocou-os na bandeja. Teve a sensação de que o Menino Jesus lhos devolveu e lhe pediu para ir comprar rebuçados com eles.

Entretanto murmurava baixinho: antes que eu tenha de acarretar estrume e sacos de adubo, antes que eu tenha de andar a cavar a terra com uma enxada de manhã até à noite, antes que eu tenha de sofrer com fome e sede, tu, mãe querida, terás sempre miolo do melhor pão para comer. Hei-de ter um campo, com muito trigo, com muito milho. Hei-de convidar a Teresinha que é a minha melhor amiga e muito linda para deitar nessa terra as primeiras sementes. Eu sei que ela me vai dar sorte. Eu vou trabalhar tanto como o meu pai.

O Quim lembrou-se de meninos amigos da terra, do pai e de alguns vizinhos que estão na França e do vizinho que está na guerra da Guiné que um dia lhe deu vinte e cinco tostões para um lápis e dois cadernos.

De repente os sinos tocavam às Avé Marias.

Olhou à sua volta. Estava tudo escuro e teve medo. Uma réstia de claridade entrava pelo vitral que se encontra por cima do coro. Cheirou o ar saturado de humidade. Veio para a porta e sentiu o corpo inteiriçado pelo frio. O escurecer era glacial e caía uma chuva miudinha. As goteiras do telhado tinham o som e o rumor do ribeiro quando corre bem cheio. Desatou a correr através da chuva e sentiu menos frio...

Chegou a casa e, em poucos minutos, estava ao pé da mãe.

- Ó Quim! Maroto, que vens tão molhado! - Disse-lhe a mãe pegando-lhe na mão e chegando-o para pertinho do lume.
- É que… sabe? Estive a falar com o Menino Jesus e fiquei tão contente, tão contente que estava desejoso de vir para casa mesmo com chuva, para o pé de si.

Desde aquele dia o Quim tem a certeza de que as divagações de criança lhe abrem o caminho para o asilo da paz e da esperança. E a elas recorre com alguma frequência.

*.*

UM FELIZ NATAL DE 2009 PARA TODOS!!! E, JÁ AGORA, TAMBÉM UM PRÓSPERO ANO DE 2010 CHEIO DE OCEANOS DE SAÚDE, PAZ E ALEGRIA!!!!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ELEIÇÕES DE 11 DE OUTUBRO DE 2009 - ATITUDES IMPRÓPRIAS




É ESSENCIAL À DEMOCRACIA a abertura, de quando em quando, de períodos eleitorais para que os cidadãos se organizem, elaborem programas e os discutam publicamente, dando destemidamente a cara para demonstrarem, aos que irão votar, a sua boa vontade de que são capazes de fazer melhor.

Por vezes, há debates públicos, entre líderes, que não são propriamente conversas meigas, com palmadinhas nas costas. Contudo, não é suposto quebrarem-se as regras da boa educação, pois tal situação extrema reduziria drasticamente a cotação dos candidatos junto da opinião pública.

A nível de um pequeno concelho ou de uma aldeia não é fácil organizar um debate público com moderador e o ambiente de pompa e circunstância. Isto não impede que os contendores políticos troquem as suas ideias, por vezes em simples encontros ocasionais ou mesmo sentados à mesa de um café. O correcto é falarem cara a cara.

Os eleitores também têm oportunidade de falarem com os líderes e uns com os outros para tomarem a decisão sobre o sentido do seu voto.

Na minha aldeia, povoada com gente de bem, há cartazes com as caras dos representantes das diversas forças políticas nos locais públicos privilegiados. Não passam despercebidos. Por outro lado, ouvimos as pessoas discutirem a suas preferências por uma das principais listas: a do PSD ou a do PS. Para mim, que não sou eleitor local, as listas nomeiam cidadãos respeitáveis e os programas não me sugerem grandes divergências de fundo.

A divisão da opinião pública parece saudável. Contudo, há quem prefira entrar nas conversas, de modo despudorado e encoberto, pela calada da noite, esboçando ameaças de grande violência a um dos candidatos. Na verdade, pudemos ver um dos cartazes onde a cara do candidato foi recortada com uma tesoura ou outro instrumento cortante. É pena que alguém, nos tempos de hoje, não dê a cara e prefira uma tal linguagem da cobardia que, de todo, devemos repudiar. Uma vez que tal procedimento é crime, espero que as autoridades façam o seu trabalho e não deixem na penumbra este mau exemplo corrosivo da democracia.

Por curiosidade, o buraco aberto no cartaz deixa aparecer uma nesga de céu azul dividida por um fio e também as pontas de uns ramos de oliveira, sinal de que a paz teima em se mostrar.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

ELEIÇÕES? - DEUS NOS LIVRE DE CERTOS POLÍTICOS.



Dr. Sá Fernandes! Que bela espiral de fumo!

Todos sabemos que muitos políticos só pensam neles próprios. O caso que vou contar ilustra bem esta afirmação.

No passado dia 12 deste mês de Setembro de 2009, sábado, fui almoçar com a minha família a um restaurante modesto, mas onde habitualmente é servido um excelente peixe grelhado. Além disso, a simpatia do gerente leva-nos a sentir-nos em ambiente acolhedor, quase familiar. Uma razão também essencial que nos motiva a ir regularmente a esse restaurante é o facto de ter à porta o aviso de que se trata de um espaço reservado a não fumadores. Este aspecto é seguramente também valorizado pelos muitos casais que ali encontramos regularmente com as suas crianças pequenas.

Estava tudo a correr muito bem, quando, de repente me chegou ao nariz o cheiro a fumo de cigarro. Infelizmente sou daqueles a quem o fumo do tabaco transtorna, pois fico com a voz afectada e com a respiração dificultada.

Olhámos e, numa mesa junto ao balcão, tinha-se acabado instalar gente da pesada, mais concretamente, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, o vereador Dr. José Sá Fernandes, o vereador para o urbanismo, Arquitecto Manuel Salgado, e uma senhora.

O Dr. Sá Fernandes estava a fumar despudoradamente.

Após alguma hesitação, um membro da minha família não se conteve e dirigiu-se à mesa desse Senhor, apontou-lhe os restos no cinzeiro e disse-lhe: “Que belo exemplo de cidadania!”.

Engasgaram-se os senhores. Mais desinibida, a senhora retorquiu: “Nós pedimos autorização!...”

Pediram autorização a quem?

O meu familiar dirigiu-se á porta da entrada e bateu vigorosamente no anúncio colado no vidro: “Está aqui o aviso! É proibido fumar. Eu venho aqui com a minha família na expectativa de não encontrar fumadores!”

Uns minutos mais tarde o Dr. António Costa saiu cabisbaixo e dirigiu-se ao seu carro. Aparentava desconforto pelo incidente de que também foi protagonista.

O Dr. Sá Fernandes é um homem de leis. Será que, para ele, a autorização do gerente do restaurante é superior à lei? Lembram-se da história da cigarrilha que o Presidente da ASAE fumou no Casino Estoril na gala da última passagem de ano?

Os políticos são muitas vezes assim. Aplicam a lei à medida do número do sapato que calçam.

Deus nos livre deste tipo de políticos!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

BONS VOTOS QUE RESULTAM!!!

A TODOS OS QUE ME DESEJARAM BOAS FESTAS… O MEU MUITO OBRIGADO!!!

… Porque os seus desejos deram excelentes resultados. Em primeiro lugar, consegui reunir a minha pequena Família na noite de Natal. Uns dias depois, tive o privilégio de casar uma das filhas. Já em 2009, uma outra fez anos. E, mais recentemente, nasceu-me mais uma netinha. Tantos factos positivos num tão curto espaço de tempo não são fáceis de acontecer. Os desejos de todos os amigos contribuíram seguramente para esta combinação feliz.

Agora com duas netinhas…

Sinto reforçado o meu orgulho da condição de Avô. A sua presença desperta em mim sentimentos de ternura tão intensa que, por vezes, redundam em forte emoção com uma lagrimita à mistura. Mas, pelos vistos, são sentimentos próprios da condição e não específicos da minha pessoa. Vou fundamentar melhor esta ideia. Houve uns amigos que me ofereceram, como prenda de Natal, um livro intitulado “Cartas para Sam – Lições de um avô sobre amor, perda e as dádivas da vida” do autor Daniel Gottlieb, psicólogo de profissão, que ficou tetraplégico aos trinta e cinco anos em consequência de um acidente de viação. Vinte e cinco anos depois escreve uma série de cartas ao Sam, seu neto, afectado por autismo. Nestas cartas, a vivência rica, a ternura imensa e os conselhos práticos encorajam à adopção de valores fortes que sejam motivação para a vida. Na última carta escreveu o Dr. Daniel Gottlieb: “Já estive perto da morte por várias vezes e, como resultado, quase sempre a sinto por perto. Mas, Sam, há muito que acredito que a morte não é um problema. Não viver é que é…”.
Todas as cartas, antes de serem assinadas, têm a expressão: “Com amor, “

Recomendo a leitura deste livro a todos os avós.

Por coincidência, no momento em que escrevo esta nota, está a tomar posse o 44.º Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Todo o mundo o vê como um messias e uma grande parte da humanidade, incluindo eu próprio, deseja-lhe boa sorte. Espero que os nossos bons votos resultem para ele como os votos dos meus amigos resultaram para mim na quadra do Natal/Ano Novo.

Só por curiosidade. O número 44 não é um bom número na superstição chinesa. Quatro, em chinês do sul (cantonense), diz-se “sei” que significa também morte. Assim, por lógica, duplo quatro é dupla morte. Por isso, reforcemos os nossos bons desejos a favor do novo Presidente da América que, afinal, bem precisa deles…