sábado, 31 de maio de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 – 5. Dia 24 de Abril, de Tel Aviv a Tiberias.

5.1. De Tel Aviv a Cesareia

Houve alguma tolerância em relação à hora de acordar. A saída estava prevista para as 9:45.

Ao abrir as cortinas da janela de um piso elevado do Grand Beach Hotel de Tel Aviv e ao dar com uma paisagem iluminada por um sol que não retirava à natureza as cores da manhã, fui invadido pela agradável sensação de estar num país bonito e seguro, o que foi um bom começo para a nossa estadia na Terra Santa.

Via à minha frente uma cidade moderna, bem arrumada, de ruas bastante largas, sendo possível, ao olhar um pouco mais para a esquerda, repousar os olhos numa extensa mancha azul do mar Mediterrâneo. Olhando em frente via a parte superior dos edifícios, coberta de um número impressionante de painéis de captação de energia solar.

Com o zoom da máquina de filmar pude captar alguns pormenores interessantes, nomeadamente uma ave local a alimentar os seus quatro filhotes no seu ninho em cima de um poste de telecomunicações que se encontrava no eixo da movimentada estrada que estava lá em baixo.

Durante toda a viagem vimos, com bastante frequência, aves deste tipo, que têm corpo idêntico ao dos nossos corvos e grasnam como eles. No entanto, a par da cor preta na cabeça e nas asas, têm cor de café com leite no resto do corpo. Também os pardais estão presentes por todo o lado. Encontrámos ainda pombos e, por vezes, rolas.

A sala do hotel para o pequeno-almoço, no segundo andar e ao longo de quase toda a fachada da frente, é ampla e o serviço de bufet muito variado. Contudo, faltavam muitas das coisas da nossa preferência ocidental. Mas como havia muito para escolher, não foi difícil organizar os pratos com o que víamos mais adequado para nós.

Após o pequeno-almoço ainda houve um compasso de espera até à chegada do autocarro, que nós aproveitámos para ir a uma loja de conveniência comprar alguns artigos úteis, nomeadamente água. Ao pagar não recebiam moeda estrangeira mas apenas a moeda local, o shequel. Contudo aceitaram facilmente o pagamento com o cartão de crédito Visa. Em toda a restante viagem usámos facilmente os euros em pagamento, sendo que, por vezes, nos faziam o troco em shequels.

Começou a viagem de autocarro ao longo da costa mediterrânea até à cidade de Cesareia Marítima. Durante o percurso, o nosso guia Sebastião, de origem argentina, foi-nos dando explicações sobre as povoações por que passávamos e sobre a vida social e económica de Israel. E também sobre a história da região. Como nos dirigíamos para uma cidade com imponente presença romana, aproveitou para nos contar a história de Flávio Josefo, o homem a quem devemos o relato histórico do que se passou na Terra Santa nos primeiros tempos da era cristã. Ele era um judeu descendente de boas famílias e com uma cultura claramente acima da média da altura. É graças a ele que sabemos bastantes detalhes do que se passou nos anos setenta, aquando do cerco e destruição de Jerusalém.

Desde o começo do domínio romano foram frequentes as revoltas, tendo quase sempre os revoltosos a mesma sorte: morte por crucificação. Josefo chegou a ir a Roma como embaixador no ano sessenta e quatro, onde conseguiu a simpatia da mulher do imperador Nero, Pompeia Sabrina, que o ajudou na libertação de alguns sacerdotes judeus que aí se encontravam prisioneiros. Em sessenta e sete, já na Galileia, de que chegou a ser temporariamente governador, tomou ele próprio parte numa rebelião, na cidade de Jotapata, enfrentando os romanos, superiormente comandados por Tito, filho do imperador Vespasiano. Ao ver-se derrotado, Josefo, que então se chamava Yosef Ben Mattityahu, escondeu-se com mais quarenta homens numa cisterna. Foram descobertos e os romanos tentaram que se rendessem em troca das próprias vidas. Eles preferiram o suicídio coletivo, mantando-se em grupos de três. Josefo e um seu soldado eram os últimos e um devia matar o outro e a seguir suicidar-se. Pensando melhor preferiram entregar-se. Ao ser presente ao comandante superior das tropas, Tito, Josefo proferiu algumas palavras certas no momento certo, saudando-o como futuro imperador de Roma, o que mais tarde veio acontecer. Foi levado para Roma e passou a gozar da proteção imperial. Feito cidadão romano, Josefo deixou um valioso contributo para a história. Sem as suas obras, muito do que aconteceu no século primeiro teria sido pura e simplesmente esquecido. Hoje para muitos dos judeus ele continua a ser um traidor. Mas para outros ele é um homem que soube usar a inteligência de modo próprio, tendo dado um importante contributo para o relato histórico, se bem que, dando quase sempre a perspetiva do poder romano.

Os cinquenta e dois quilómetros que separam o Grand Beach Hotel de Tel Aviv de Cesareia foram percorridos em cerca de quarenta e cinco minutos, ouvindo esta história e outras, nomeadamente sobre a organização social, agricultura, a água, bem muito precioso em Israel. Falou da sua captação em terras longínquas, o seu uso e cuidadoso aproveitamento das águas residuais e o processo de dessalinização da água do mar.

Cesareia impressionou-nos pela sua história e pelo excelente trabalho de recuperação arqueológica que pôs à vista a sua monumentalidade.

Dela falarei no próximo apontamento.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 4. Dia 23 de abril, de Cucujães a Telavive

O snooze do iphone acordou-nos pontualmente às sete horas da manhã. Foi com dificuldade que consegui acordar os dedos das mãos para o parar. Como já não estou habituado a grandes mudanças, tive que refletir uns instantes para me localizar. Estava num dos quartos do convento beneditino de Cucujães, agora seminário das missões, virado a nascente. Abri a janela e apareceu uma surpreendente paisagem com as nuvens a filtrar o sol e com os montes a aparecerem para além do vale próximo numa variedade de cores que ia do verde mais escuro até a um azul-bebé.

E, de imediato, uma catadupa de recordações se levantou do meu subconsciente.

Em setembro de 1962, entrei naquele seminário de Cucujães para começar a terceira fase da minha formação, dita de filosofia. No local onde agora me encontrava, mais ou menos, havia uma das janelas do dormitório em que, naquela altura, eu dormia. Vê-se daí uma encosta que desce até ao vale não muito acentuado, encosta essa ocupada em parte pela quinta do seminário.

Quase no começo da outra encosta há uma mancha verde bastante mais pequena do que a daquele tempo. Mas deu para imaginar o comboio a vapor que ali passava e apitava, deixando um vasto e prolongado traço de fumo sobre a cor verde do bosque.

Lembrei-me ainda de quando lavava as minhas camisas num dos lavatórios da casa de banho. Naquele ano de 1962, chegou à minha aldeia e tornou-se popular o nylon. A minha mãe, com as suas mãos de fada sábia, fez-me umas camisitas de nylon porque, dizia ela, secavam muito bem. Era só lavar com um pouco de pó Tide e pôr a escorrer um bocadinho e estavam prontas para vestir. Assim, disse-me ela, podes lavá-las tu no lavatório e andar sempre limpinho.

Após os necessários e comuns passos higiénicos saboreámos o nosso pequeno-almoço com os produtos que tínhamos comprado na véspera. Logo a seguir saímos para ir ao nosso carro, que ficaria no parque do seminário, depositar alguns artigos. Aproveitámos para dar uma olhadela à paisagem e para respirarmos um pouco de ar puro. Ao regressarmos ao quarto, deparámos já com duas simpáticas senhoras, vestidas em estilo de freira laica, que nos procuravam preocupadas porque o Sr. P. Artur tinha estado à nossa espera para o pequeno-almoço e receava que tivéssemos adormecido. Disseram-nos para irmos para o adro da igreja pois já lá estavam todos. Não víamos grande motivo para este convite à pressa pois a hora que nos tinha sido indicada era de um quarto para as nove e ainda estávamos bem a tempo.

Fomos dos primeiros a chegar. Aproveitámos para dar uma olhadela ao interior da igreja. É muito bonita com imagens muito impressivas, destacando-se, logo à entrada, uma monumental tela na parede do lado direito de quem entra.


A Linda fachada da Igreja Paroquial de Cucujães, anexa ao Seminário das Missões


Havia uma música de fundo de canto gregoriano, muito discreta e convidativa ao silêncio e oração. A capela-mor é profunda com janelas de ambos os lados. Àquela hora entravam pelas janelas do lado direito de quem está virado para o altar um conjunto de raios de luz que, juntamente com a música e a decoração religiosas, convertiam o ambiente em quase celestial.

O autocarro chegou à hora prevista. Bastante moderno e confortável.

Depois de uma contagem várias vezes repetida, iniciámos a nossa viagem com um cumprimento e apresentação inicial do nosso anfitrião e guia, a que se seguiu uma breve oração da manhã pedindo a proteção divina para nós, viajantes.

No percurso, o nosso guia ia dando informações sobre os diversos locais que conhecia bem. É pároco de Cucujães há quinze anos, indicativo suficiente para o elegermos como guia habilitado para a zona. E ele não se poupava, referenciando todos os edifícios e espaços públicos de um lado e do outro e dando informações sobre eles e sobre a própria povoação. Cucujães tem treze mil habitantes e é a maior freguesia do concelho de São João da Madeira. É maior que a freguesia do próprio concelho. E a avaliar pela expressão do P. Artur, podemos dizer que ele se sente feliz por ser prior de uma freguesia assim.

Nisto chegámos à A-32. Logo fomos convidados para reparar nas cores adotadas pelos construtores da estrada, o azul e o branco, o que condiz bem com o ambiente clubista dos habitantes nortenhos.

A A-32 é, na verdade, uma via rápida muito bonita. Houve um cuidado redobrado para afetar o menos possível o ambiente e para o compensar pelos danos causados, nomeadamente arrumando as terras removidas em locais estratégicos, empilhando-as segundo uma delicada conceção arquitetónica amiga da natureza.

Chegámos ao aeroporto a tempo e horas. Lá se juntaram ao grupo mais quatro participantes, o que fez com que o mesmo passasse a ser composto por trinta e cinco elementos. Da representante da agência de viagens Solid Travel recebemos um boné e uma mochila de viagem, ambos cor de laranja. Por recomendação dessa funcionária decidimos despachar para o porão os nossos tróleis individuais. Na verdade, vendo bem, não adiantávamos nada em levá-los para a cabine, pois havia muita gente do grupo a despachar bagagens para o porão. Assim não sairíamos mais cedo no local de destino, pois sempre teríamos de esperar por eles. Além do mais, em Bruxelas ficaríamos com as mãos mais livres para passear no aeroporto.

Tivemos de esperar bastante tempo, pois o avião em que viajaríamos ainda não tinha chegado de Bruxelas.

Ocorreu finalmente o embarque, com algum atraso, mas menos do que chegámos a temer. Já a bordo, deparei com o meu lugar ocupado por uma das participantes do grupo, uma mulher bastante idosa, vestida de preto que viajava sozinha, libertando um sorriso terno através das lentes dos seus óculos. Sentei-me no outro lugar de cabine por indicação do assistente de bordo. Mas um dos companheiros de viagem que viu o meu embaraço por ficar longe da minha companheira, propôs à senhora a mudança de lugar, não tendo sido difícil a sua aceitação. Para mim fez toda a diferença, pois se me visse embaraçado nas coisas insignificantes, e isso acontece-me com frequência, sempre me daria jeito ter uma ajudinha por perto. Além disso era o lugar a que eu tinha direito por estar marcado no bilhete.

A viagem do Porto para Bruxelas seguiu de perto toda a costa norte de Portugal, tendo eu aproveitado para tirar uma fotografia à zona da Póvoa de Varzim.

Depois seguiu a costa norte de Espanha e França, tendo eu reconhecido as ilhas de Guernsey e Jersey. E mais tarde entrou no continente em direção a Bruxelas.

Uma vez desembarcados, foi a altura de andarmos por corredores sem fim, com alguns tapetes rolantes, para passarmos para a zona B do aeroporto. Descemos e subimos várias vezes. Houve um novo controlo de segurança, que me pareceu bastante rigoroso mas não muito demorado. Já na zona B demos uma olhadela às lojas e acabámos por comer um iogurte grande com doce de morango que nos forneceu alento para o resto da espera.

Enquanto esperávamos pelo embarque, observámos um grupo de judeus virados para uma parede que, àquela hora, faziam as suas orações, presumo eu que virados para Jerusalém.

Foi finalmente feita a convocação para o embarque. A passagem do balcão de controle foi relativamente rápida, mas a entrada no avião foi demorada. Vimos que ainda estavam a carregar bagagens. Mas lá chegou a nossa vez de ser arrumados. Não me lembro de alguma vez ter apanhado um lugar assim, na última fila do lado esquerdo do avião mesmo junto às casas de banho. Foi muito incómodo sentir a permanente descarga dos autoclismos das duas casas de banho traseiras, uma delas mesmo atrás de nós. Isto numa viagem de cerca de cinco horas.

O meu companheiro do lado direito que viaja com a mulher, mas sentados em lugares separados, começou por dizer que já tinha ido várias vezes à Terra Santa na excursão do P. Artur e que a sua mulher é mesmo cliente fiel, pois faz questão de não perder uma. Podia contar à vontade já dez viagens. Mais disse que tem apenas a quarta classe, mas que possui uma pequena empresa onde emprega a família e mais vinte cinco pessoas. O objeto da empresa é o fabrico de estores e todo o tipo de acessórios, incluindo motores, estando já a exportar para diversos países. Mostrou-me depois a fotografia dos netos, dois meninos e duas meninas, a mais velha já com dezasseis anos.

O serviço de bordo da Bruxelles Airlines foi bastante bom, quer no primeiro percurso do Porto a Bruxelas quer no de Bruxelas a Telavive. Os pratos quentes, carne ou peixe, a escolher no segundo voo, estavam mesmo quentes e com temperos e paladares aceitáveis para os nossos padrões.

A chegada a Telavive ocorreu por volta da meia-noite e meia hora. Depois foram as formalidades de saída, sendo de referenciar que para se entrar em Israel não é necessário preencher formulários. Apresenta-se o passaporte e o bilhete no guichet de emigração e, de imediato, nos entregam um pequeno cartão com a nossa fotografia, que serve para sair do aeroporto e para circularmos no país.

Foi relativamente rápido o percurso para o Le Grand Hotel. Apesar de ser enorme, tem um ambiente acolhedor, incluindo internet livre, o que, nos tempos modernos, é muito útil.

Havia que ir dormir pois eram quase duas da manhã locais, mais duas horas do que em Portugal, e o morning call estava previsto para as oito.

domingo, 25 de maio de 2014

Terra Santa 2014 - 3. Em 22 de Abril, de Lisboa a Cucujães



Porquê Cucujães?

O Dicforte já se referiu a Cucujães numa postagem anterior (n.º 45) e num ambiente circunstancial muito próprio da altura. Agora a origem referencial desta minha ida a Cucujães não é diferente da de então. Contudo, as razões próximas diferem pois têm a ver com a minha viagem à Terra Santa e com o objectivo de não vir de lá tão somente enfastiado de ver tantas pedras.

É possível comprar excursões à Terra Santa em quase todas as agências de viagens. Mesmo que não tenham muitos clientes aqui, acabamos por chegar ao destino e aí apercebemos-nos de que estamos a ser agrupados com pessoas desconhecidas, quase sempre de diferentes países e culturas.

Em Portugal há diversas paróquias que organizam viagens, acontecendo que, em algumas delas, os interessados vão pagando pequenas prestações durante um certo período, para pouparem com esse fim e não sentirem tanto o peso total do custo efetivo. E há outras organizações religiosas e culturais que também se empenham em levar membros e amigos à Terra Santa. Por exemplo, na Universidade Católica, o vice-reitor, o meu bom amigo P. Lourenço, costuma organizar viagens para eventuais interessados e acompanhá-los com o seu empenho, a sua fé e o seu muito saber. Ora aconteceu que vi na Revista Boa Nova de Março de 2014, editada pela Sociedade dos Missionários da Boa Nova, em que estudei nos anos de 1957 a1962, um anúncio da Viagem. E quase instintivamente inscrevi-me, mesmo sabendo que iria ter que percorrer duas vezes os 290 kms que distam da minha casa ao seminário de Cucujães.

Senti, desde o início, e não me enganei, que não me viria a arrepender pela opção tomada. Na verdade viria a encontrar um grupo heterogéneo, de 35 pessoas, mas com a clara indicação de ser toda gente muito boa, como são quase sempre as gentes simples do norte. E sobretudo tivemos a sorte de a peregrinação ser acompanhada, liderada e apoiada pelo reverendo P. Artur Matos, dos Missionários da Boa Nova, que como eu, foi aluno no Convento de Cristo em Tomar, em Cernache do Bonjardim e em Cucujães, embora com alguma diferença nas nossas idades. Ele entrou em Tomar em outubro de1952 e eu em outubro de1957.

Por cautela e comodidade fomos logo, eu e a minha mulher, na véspera do início oficial da viagem, marcada para 23 de abril, aproveitando a simpatia dos bons Padres da Boa Nova que nos disponibilizaram um excelente quarto para descansarmos no seminário de Cucujães.

O P. Artur Matos é presentemente o prior da paróquia de Cucujães, e revelou ser um excelente condutor de pessoas e evidenciou uma elevada formação cultural. Sempre preocupado com as pessoas do grupo, lendo o texto bíblico adequado a cada local sem se tornar cansativo ou impositivo. Senti que o seu apoio humano e religioso ao grupo foi muito importante para mim. Jamais me esquecerei da missa que celebrou para nós num espaço mesmo ao lado do Santo Sepulcro.

Durante esta missa pude apreciar calmamente a Igreja do Santo Sepulcro e ver como a nossa Charola do Convento de Cristo de Tomar é tão parecida com ela.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Terra Santa 2014 - 2. O Zelota

Tinha intenção de me documentar o suficiente para que a minha viagem à Terra Santa fosse mais vivida. Casualmente vi no expositor da livraria Bertrand um livro com título apelativo: O Zelota. Li a informação sumária da contracapa e decidi comprá-lo. O autor, Reza Aslan, nasceu no Irão e vive entre Nova Iorque e Los Angeles com a mulher e dois filhos. É considerado um académico de renome. Sendo iraniano deve ter tido uma formação de base muçulmana, mas, no seu livro, não consegue esconder a sua simpatia pela personalidade histórica e religiosa de Jesus Cristo.

Algumas passagens desse livro parecem-me dignas de ser destacadas pelo facto de nos levarem a formular dúvidas em relação àquilo que, num processo educativo de adesão, fomos levados a assumir.

Transcrevo aqui, porque me parecem constituir referência importante, as seguintes passagens:

"0 primeiro testemunho escrito que temos acerca de Jesus de Nazaré vem numa das primeiras epístolas de Paulo. Esta carta terá sido escrita entre os anos de 48 a 50 da nossa era.”

"Os evangelhos são posteriores e nenhum deles, com a possível excepção de Lucas, foi escrito pela pessoa que lhe deu o nome."

"O relato de Marcos foi escrito algures depois do ano 70 da era comum, cerca de quatro décadas após a morte de Jesus."

"Duas décadas depois de Marcos, entre 90 e 100 da era comum, os autores Mateus e Lucas, trabalhando independentemente um do outro e com o manuscrito de Marcos como modelo, atualizaram a história do evangelho, juntando-lhe as suas próprias tradições exclusivas, incluindo duas narrativas diferentes e contraditórias da infância, bem como uma série de complicadas histórias da ressurreição para satisfazerem os seus leitores cristãos. No seu conjunto, estes três evangelhos, Marcos, Mateus e Lucas, tornaram-se conhecidos como Sinópticos (em grego "vistos juntos"). Estão em grande medida em contradição com o quarto evangelho, o de João, que provavelmente foi escrito pouco depois do fim do século I, entre 100 e 120 da era comum. São, portanto, estes os evangelhos canónicos, mas não são os únicos evangelhos. Hoje temos acesso a toda uma biblioteca de escrituras não canónicas redigidas principalmente nos séculos II e III que dão uma perspetiva muito diferente da vida de Jesus de Nazaré. Nelas se incluem o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Filipe, o Livro Secreto de João, o Evangelho de Maria Madalena, e uma quantidade dos chamados textos gnósticos descobertos no Alto Egito, perto da localidades Nag Hammadi, em 1945."

"No fim, há apenas dois factos históricos sólidos acerca de Jesus de Nazaré em que podemos ter confiança. O primeiro é que Jesus de Nazaré foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I da era comum. O segundo é que Roma o crucificou por o fazer."

Ao tempo do nascimento de Cristo "o vilarejo de Nazaré é tão pequeno, tão obscuro, que o seu nome não aparece em nenhuma antiga fonte judaica antes do século III da era comum - nem na bíblia hebraica, nem no Talmude, nem no Midrash, nem em Josefo. É, em suma, um local inconsequente e completamente olvidável. É também a localidade onde provavelmente Jesus nasceu e foi criado. Que ele seja natural desta aldeia estreitamente delimitada com umas centenas de judeus pobres pode muito bem ser o único facto respeitante à infância de Jesus acerca do qual podemos ter bastante confiança. Jesus era tão identificado com Nazaré que foi conhecido ao longo da sua vida simplesmente como "o Nazareno". Então porque é que Mateus e Lucas - e só Mateus (2:1--9) e Lucas (2:1 - 21) - afirmam que Jesus nasceu não em Nazaré mas em Belém, ainda que o nome de Belém não apareça em mais parte nenhuma do Novo Testamento (nem sequer em mais parte nenhuma em Mateus ou em Lucas, ambos os quais se referem repetidamente a Jesus como "o Nazareno", salvo num único versículo do Evangelho de João (7:42)?

"... A ressurreição não é um acontecimento histórico. Talvez tenha tido reverberações históricas, mas o acontecimento em si mesmo sai do âmbito da história e entra no domínio da fé. É, de facto, o teste supremo da fé dos cristãos, como Paulo escreve na carta aos Coríntios: se Cristo não tivesse ressuscitado, a nossa prédica era inútil e a nossa fé era vã. (1 Coríntios 15:17)."

"Fossem quais fossem as línguas que Jesus falasse, não há razão para pensar que soubesse ler ou escrever em qualquer delas, nem sequer em aramaico. A descrição que Lucas faz de Jesus, com doze anos, de pé no Templo de Jerusalém, a debater os pontos mais subtis das escrituras hebraicas com rabinos e escribas (Lucas 2:42-52), ou a sua narrativa de Jesus na (inexistente) sinagoga de Nazaré a ler o papiro de Isaías para espanto dos fariseus (Lucas 4:16-22) são ambas tramas fabulosas da autoria do próprio evangelista. Jesus não teria acesso ao tipo de educação formal necessária para tornar mesmo remotamente credível a descrição de Lucas. Não havia escolas em Nazaré para as crianças camponesas frequentarem. Qualquer formação que Jesus tenha recebido terá vindo diretamente da sua família e, considerando o seu estatuto de artesão jornaleiro, ter-se-ia concentrado quase exclusivamente na aprendizagem da profissão do pai e dos irmãos."

“Não há argumento racional que se possa opor à ideia de que Jesus fazia parte de uma grande família que incluía pelo menos quatro irmãos que foram citados nos evangelhos - Tiago, José, Simão e Judas - e um número desconhecido de irmãs que, embora mencionadas nos evangelhos, não o são pelo nome. Muito menos se sabe acerca do pai de Jesus, José, que desaparece rapidamente dos evangelhos depois das narrativas da infância de Jesus. Há consenso quanto a José ter morrido enquanto Jesus ainda era criança. Mas há quem acredite que na realidade José nunca existiu, que foi uma criação de Mateus e Lucas - os únicos evangelistas que o mencionam - para explicar uma criação muito mais controversa: o nascimento virginal. Por outro lado, o facto de tanto Mateus como Lucas contarem o nascimento virginal nas narrativas da infância, apesar da convicção de que não saberiam absolutamente nada da obra um do outro, indica que a tradição do nascimento virginal era antiga, talvez anterior ao primeiro evangelho, o de Marcos. Por outro lado, fora das narrativas da infância de Mateus e Lucas, o nascimento virginal não é sequer sugerido por mais ninguém no Novo Testamento: nem pelo evangelista João, que apresenta Jesus como um espírito sobrenatural com origens terrenas, nem por Paulo, que vê Jesus literalmente como encarnação de Deus. Essa ausência levou a muita especulação sobre se a história do nascimento virginal foi inventada para mascarar uma realidade desconfortável acerca da paternidade de Jesus - nomeadamente de ter nascido fora do casamento.

Na realidade, este é um velho argumento apresentado pelos adversários do nascimento de Jesus desde os seus primeiros dias. O escritor do século segundo, Celso, conta uma história indecente que afirma ter ouvido a um pastor palestiniano que a mãe de Jesus fora emprenhada por um soldado chamado Pantera. A história de Celso é tão claramente polémica que não pode ser levada a sério."

Estas transcrições são apenas exemplos dos delicados temas que o livro aborda, numa perspectiva de quem procura o facto histórico decidido a só dar passos em frente sobre bases sólidas sob o ponto de vista estritamente humano, sem prejuízo de formular as questões que se lhe afigurem lógicas.

Daí que, após a leitura deste livro, a minha já grande curiosidade tivesse aumentado ainda mais em paralelo com o desejo de conhecer os lugares onde, no seu tempo e no seu espaço, os factos bíblicos ocorreram.

Era muito importante ir ver… para crer...

MAPA DA TERRA SANTA AO TEMPO DE JESUS

domingo, 18 de maio de 2014

Terra Santa 2014 - 1. O programa

Escreveu Fernando Pessoa que Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Por experiência própria posso dizer que sonhamos com muitas coisas e que, de quando em quando, lá acontece uma delas.

Desde muito pequeno, praticamente desde que me apercebi de que o Belém de Lisboa não é a terra onde nasceu Jesus, que sonhei ir à Terra Santa. E aconteceu que esse sonho se realizou este ano, de 23 de Abril a 2 de Maio.

Antes de partir ouvi um amigo que lá fora em tempos resumir a sua viagem ao desabafo de que "foram pedras a mais".

Na verdade, eu não queria fazer uma viagem destas para, no fim, ficar enfastiado de ver pedras. Esperava, ao ver os locais bíblicos, reunir dados para compreender melhor essa figura fascinante que foi Jesus Cristo. O facto de estar nesses lugares, poder avaliar as distâncias entre eles, ver o ambiente natural e humano, sentir o clima e os cheiros, conhecer a fauna e a flora, permitir-me-ia criar um mapa em múltiplas dimensões que usaria para imaginar os vários episódios evangélicos num ambiente tão próximo quanto possível da realidade em que aconteceram. Assim teria elementos para compreender melhor Cristo como ser humano e daí partir para a descoberta das doutras personalidades que ele revelou: a histórica, a messiânica e a divina.

Como foi possível a um homem que viveu apenas trinta e três anos, o que é muito pouco para os parâmetros atuais, fazer tanto em tão pouco tempo? E a curiosidade adensa-se ainda mais quando pensamos que a sua vida pública foi apenas de três anos.

O itinerário da viagem abria-se a um vasto campo de expetativas de alimento para as minhas questões.

Era este o programa:

Dia 22 de abril: Lisboa, Cucujães;
Dia 23 de abril: Cucujães, Porto, Bruxelas, Tel Aviv;
Dia 24 de abril: Tel Aviv, Cesareia Marítima, Haifa, Tiberíades;
Dia 25 de abril: Tiberíades, Canã da Galileia, Nazaré, Mar da Galileia, Monte das Bem Aventuranças, Tiberíades;
Dia 26 de abril : Tiberíades, Monte Tabor, Naim, Nablus, Samaria, Ramallah, Jifna, Jerusalém;
Dia 27 de abril: Jerusalém;
Dia 28 de abril: Jerusalém, Ein Karen, Betânia;
Dia 29 de abril: Jerusalém, Belém, Hebron, Jerusalém;
Dia 30 de abril: Jerusalém, Jericó, Qunran, Mar Morto;
Dia 1 de maio: Mar Morto, Tel Aviv;
Dia 2 de maio: Tel Aviv, Bruxelas, Porto, Cucujães, e Lisboa.