sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A magia do Pai Natal

Sou uma menina de cinco anos, muito em breve farei seis, e o Natal deste ano é, para mim, muito mágico e especial.

Desde o início das minhas recordações, as festas de Natal aparecem, na minha memória, com a intensa vivência centrada numa figura de um ser misterioso, vestido de vermelho, com barbas brancas, que, a certa hora da noite avançada, se fazia anunciar com um pequeno sininho que trazia na mão, provocando o alvoroço em toda a gente da casa que corria para a porta principal repetindo em coro: “É o Pai Natal! É o Pai Natal!”

E mal a campainha da porta tocava, havia vários braços a tentar abri-la, com muita excitação, e, uma vez ou outra, com precipitação, porque a porta estava fechada à chave e esta demorava ainda alguns segundos a ser encontrada. O Pai Natal entrava e dizia “Ou! Ou!” e passava sempre as suas mãos quentinhas pela minha cabeça e pela minha face. Este gesto contribuiu muito para que a minha relação com o Pai Natal fosse terna.

Vinha a distribuição dos presentes que se encontravam junto à árvore de Natal. O Barbinhas Brancas pegava no primeiro e dizia “Ou! Ou!” e logo uma das minhas tias, ou a minha Mãe, corria para ler a etiqueta: “Do Avô pra a Avó!”.

Quando as minhas prendas eram anunciadas, o “Ou Ou!” do Pai Natal era mais forte e mais longo, por vezes quase cantado. Aí fiquei ainda mais convencida de que o Pai Natal era realmente muito meu amigo.

No filminho do Natal do ano passado, ficou documentado que o Pai Natal quis tirar uma fotografia connosco. No momento, eu suspendo a luz dos flashes quando observo: “Mas falta aqui o Avô!”

Achei natural que me tivessem dito que o Avô tinha ido à casa de banho e que não se demorava, mas que tirávamos já a fotografia sem esperar por ele porque o Pai Natal estava com muita pressa pois tinha muitas casas para visitar.

O monte das minhas prendas ia crescendo e não compreendia bem por que razão ficava sempre muito maior que o das outras pessoas. Atribuía esse facto ao encanto do Pai Natal por mim, por eu ser criança.

No ano passado, verifiquei que o montinho das prendas da outra criança que estava na casa era tão grande como o meu. Afinal, as prendas das crianças eram muitas porque o Pai Natal era muito amigo delas.

No fim da distribuição do Natal do ano passado, o Pai Natal quis tirar mais uma fotografia com as crianças. Depois começou a despedir-se e logo o alvoroço para o acompanhar à porta! Na minha memória está um coro de vozes a dizer: “Adeus Pai Natal! Obrigado Pai Natal!”

Ainda sinto, na minha face, o calorinho que a sua mão deixou ao acariciar-me dizendo mais uma vez “Ou! Ou!”, numa entoação de voz trémula, própria do ambiente da despedida.

Ia directa para o montinho das minhas prendas e começava a abri-las, rasgando energicamente o papel para descobrir as coisas que me tinham oferecido.

No ano passado, passada a excitação da abertura das prendas, olhei para as pessoas que estavam agora a fazer comentários sobre os presentes que tinham recebido. E reparei que, sentado tranquilamente num dos sofás da casa, estava o meu Avô olhando serenamente para mim e para as prendas que eu tinha recebido. Corri a dar-lhe um beijo. No filminho, eu apareço então a dizer: “Ó Avô, tu és muito parecido com o Pai Natal”.

Como o meu Avô tem o cabelo todo branquinho, eu já lhe tenho dito que ele parece mesmo um boneco de neve. Embora não esteja no filme, eu acho que também disse uma vez ao Pai Natal que ele era parecido com o meu Avô.

A verdade é que eu suspeitava de que o Pai Natal era o meu Avô, mas não queria que as pessoas sentissem isso. Eu própria preferia não ter suspeitas e fazia força para continuar a acreditar que o Pai Natal vinha de um país distante, que não sabia falar como as outras pessoas por só falar a língua desse país que se resumia a “Ou! Ou!”.

Mas o Natal deste ano é agora diferente. É que ontem o meu Avô comprou-me um fatinho vermelho de ajudante do Pai Natal e levou-me para um cantinho da casa para me dizer um segredo.

Que aquele fatinho era para mim, que, este ano, eu é que iria ser a ajudante principal do Pai Natal. E que, como eu já vou fazer seis anos, já estava na altura de saber a verdade sobre a magia do Pai Natal. Na escola os outros meninos não tardariam a gozar comigo por eu ainda acreditar no Pai Natal. E que, por isso, me dizia que o Pai Natal é faz de conta, que é um teatro que se faz para encantar as crianças e os adultos. E que, desta vez, ela iria ser a ajudante mais competente do mundo para o Pai Natal poder fazer bem o seu trabalho. Mas isto era segredo e eu não podia dizer nada a ninguém, pois temos de continuar a encantar as crianças e os adultos que vão estar na nossa festa de Natal.

Obrigado Pai Natal pelo fatinho, pela tua magia, pelo teu calor e pela confiança em me quereres para tua ajudante principal.

Por tudo isso, este Natal ficará na minha recordação como muito mágico e especial.

P. S. – Desta vez, por ser Natal, o Dicforte deu expressão a uma criança numa história imaginada. É meramente fortuita qualquer coincidência com a realidade.

sábado, 27 de novembro de 2010

Ai Weibei, um chinês com montes de paciência de dito

No museu das artes de Londres “Britain Tate” fui encontrar, no passado dia 19, algo que me parece surpreendente.

O cartaz de apresentação de Ai Weibei

Na parte mais baixa do Museu está em exposição uma espécie de tapete, com a área equivalente a cerca de um quarto de campo de futebol.

Vista geral do tapete

Tem a espessura de mais ou menos seis centímetros e é composto por cerca de cem milhões de pequenas partículas, imitando sementes de girassol, feitas a partir de bocadinhos de porcelana.

A espessura do tapete

O artista, mencionado acima, tem aquilo a que podemos chamar verdadeira paciência de chinês, pois só assim poderia ter passado tanto tempo a recortar cacos para lhes dar a forma de sementes de girassol.

E o feito é que conseguiu levá-los para o Museu da Arte Moderna de Londres, o Britain Tate, que é, de certo modo, o equivalente ao nosso Museu Gulbenkian.

Inicialmente as pessoas podiam passear pelo tapete. Desconfio que terá havido umas tantas que não resistiram a apanhar algumas sementinhas para recordação.

O aviso para não retirarem sementes

E veio a solução de fechar o espaço ao passeio dos curiosos, alegadamente porque o movimento dos pés sobre as sementes fazia libertar um pó tóxico muito prejudicial para a saúde.

As sementes imitadoras de Ai Weibei

Mesmo não podendo pisar as sementinhas, fiquei com a sensação de se tratar de um grande feito. Só não consigo avaliar o seu valor artístico. Se pudesse apanhar umas tantas sementinhas para as comparar com as verdadeiras sementes de girassol, então poderia verificar se a imitação é perfeita ou não.

As verdadeiras sementes de girassol (1)

Assim, detenho-me a observar o conjunto dos cem milhões de caquinhos de porcelana, menos uns tantos que curiosos terão levado.

As verdadeiras sementes de girassol  (2)

O Sr. Ai Weibei é, de facto, um cromo e um daqueles maduros que de vez em quando se evidenciam com bizarrias surpreendentes.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Uma Quinta do Além

A quinta é a dos Loridos e o além é a China.

Na tarde do passado sábado (23-10-2010), num passeio organizado por amigos, era suposto irmos visitar uma quinta do Comendador Berardo onde se produzem e vendem acreditados vinhos. E lá fomos.

Chegamos a um amplo terreiro, mais do que o suficiente para acomodar os autocarros e veículos particulares que ali se encontravam e que eram muitos.


Vista da vinha e do solar

Esperava encontrar vinhas a perder de vista, exibindo as bonitas roupagens de Outono com os seus múltiplos tons de amarelo e verde entreligados por pinceladas de castanho, sob a luz forte do sol quente deste Outono.

O arco de acesso à Alameda dos Budas

No entanto, ao entrar na quinta a minha alma ficou banzada pela bizarra aparição de um enorme arco de arquitectura chinesa, a abrir caminho para uma longa alameda de grandes estátuas de budas, deusas e deuses talhados em pedra maciça.

Alameda dos Budas

E do lado esquerdo, um vasto lago artificial, com águas tranquilas espelhando o céu azul, com um pequeno alpendre no meio ligado à margem por uma ponte, segundo o gosto chinês.

Vista do Lago vigiado por um exército de terracota

A encosta em frente, toda arrelvada, está ladeada por um verdadeiro exército de policromas estátuas, com cerca de uma vez e meia o tamanho natural, imitando o exército imperial chinês em terracota descoberto em Xian, após estar soterrado por séculos.

Vista do Lago e da escadaria para o Buda Reclinado

Uma escadaria eleva-se até uma grande estátua de um Buda reclinado, sendo visíveis mais atrás altas estátuas de deusas em pedra branca e torres de pagodes.

A formatura dos terracotas

À direita da herdade, há um espaço com a área de um campo de futebol todo cheio de mais estátuas em terracota, homens e cavalos, pintados e em formatura.

Dragão de mármore

Íamos nós neste percurso e passou por nós um jipe, em marcha lenta. Vimos que no lugar da frente do lado esquerdo seguia o Comendador Berardo sorrindo amavelmente para as pessoas.

A breve nota que a organizadora do nosso passeio nos facultou é a seguinte:

“A Quinta dos Loridos é um bonito solar, situado na freguesia do Carvalhal, concelho do Bombarral. Outrora, essas terras foram pertença do Mosteiro de Alcobaça, que as doou a João Annes Lourido, em 1430. No século XVI a família Sanches de Baena reconstruiu este solar que é hoje um belo exemplo da nobre arquitectura rural do século XVIII, ostentando o orgulhoso brasão da família Sanches de Baena. A Quinta dos Lóridos é hoje uma unidade hoteleira e uma afamada produtora de vinhos, nomeadamente espumantes. O Jardim Oriental Buddha Eden tem uma área de 35 hectares e um lago artificial e plano para 6.000 toneladas de estátuas.”

Uma enorme estátua de Deusa

Estava habituado a ver estes cenários no oriente, na China ou na Tailândia. Ali, em terras do Bombarral, este cenário exótico e bizarro deixou-me perplexo.

Que pancada terá dado ao Comendador para mandar vir tantas toneladas de pedra e terracota da longínqua China para as implantar ali ao lado de um bonito solar de arquitectura rural do século XVIII?

Na sala que antecede a saída do Parque há, de facto, vinhos de marca, desta e de outras propriedades do Comendador, a preços razoáveis. Acredito que haja muita boa gente que, depois de ver o desenquadrado cenário chinês, se sinta inibido de comprar o quer que seja e muito menos os saborosos vinhos que ali são vendidos.

Mas, provavelmente, haverá muitos mais que, tocados pela confiança e paz da filosofia oriental se sintam compelidos a comprar muito mais vinho, o mais antigo e universal tranquilizante natural.

Vejam o site http://www.buddhaeden.com/

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

UMA RAINHA FORA DE SÉRIE


A série é a das rainhas de Portugal e a fora dela é a Rainha D. Leonor de Lencastre (02-05-1458 a 17-11-1525), mulher de D. João II, ambos primos por serem netos de D. Filipa de Lencastre e de D. João I. Foi, na sua época, uma mulher com uma formação e cultura fora do comum. É considerada, como bem sabemos, a Mãe dos Pobres e a Fundadora das Misericórdias.


No passado sábado, tive oportunidade de visitar o Hospital Termal das Caldas da Rainha, o Museu anexo e a contígua Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, numa viagem muito bem organizada pela Associação de Residentes de Telheiras (ART), aberta também aos amigos destes.

Nós habituamo-nos a passar pelos locais onde, por vezes, notamos que há coisas interessantes. Mas raramente nos preocupamos em parar e vê-las mais em pormenor. Isto porque decidimos deixar essa observação para outro dia, ou porque não sabemos da existência de esquemas organizados que nos poderiam permitir vê-las à luz de uma explicação feita por quem sabe.

Já passei várias vezes pelas Caldas da Rainha, mas creio que só lá parei uma vez e por pouco tempo.

Desta vez, fomos lá de visita dedicada para ver o Hospital Termal.

Uma senhora do Hospital muito bem formada e esclarecida acompanhou-nos na visita, guiando-nos com método, saber, capacidade e entusiasmo. Valeu a pena, pela explicação e pela oportunidade de descer a locais normalmente não acessíveis ao público.

A vetusta Piscina da Rainha
Por estas escadas terá descido e subido muitas vezes a Rainha D. Leonor

A visita aumentou e cimentou a minha admiração por essa grande Senhora que foi a Rainha D. Leonor. Ela pensou e escreveu os fundamentos reguladores das Misericórdias, com uma organização tão bem desenhada que ainda hoje permite que essas instituições funcionem e desempenhem um importante papel no apoio social do nosso País e em muitos locais de além-mar. Lembro-me, por exemplo, da Santa Casa da Misericórdia de Macau, que é lá uma poderosíssima instituição assistencial, obra directa do Bispo D. Melchior Carneiro, mas segundo o modelo criado pela Rainha D. Leonor. E tenho presente, ainda, a Santa Casa da Misericórdia do Fundão, de que, aliás, sou irmão.

Neste tipo de visitas, os guias transmitem normalmente muitas informações que achamos mais ou menos interessantes e que podemos reconfirmar mais tarde nos folhetos de divulgação dos locais. Contudo, por vezes, há guias mais bem apetrechados que nos surpreendem com informações não habituais.

Nesta visita, a nossa guia transmitiu-nos muitos dados já trabalhados pelo seu esforço pessoal.

Achei particularmente interessante o momento em que, estando os visitantes à volta da Piscina Real das Inalações, os pôs a adivinhar sobre quanto tempo demorará uma gota de água a descer desde os cumes da Serra dos Candeeiros, onde é depositada pelas nuvens, até aparecer a borbulhar quentinha e com cheiro medicinal a ovos podres, no fundo daquela piscina, depois de descer às entranhas da terra, ser aí fervida e propulsada para o exterior. Houve quem adiantasse cinco anos, trinta e trinta e cinco. Ninguém se atreveu a ir mais além.

Piscina Real das Inalações

A guia esclareceu, no fim, mencionando fundamentados estudos de catedráticos, que uma gota de água gastará, nesse percurso, cerca de sete mil anos. É obra!

Ala do Hospital Termal reservada a tratamentos
Os nossos “Bem Hajam” à ART e às boas Amigas Teresa e Natália, pelo seu dedicado empenhamento na organização desta visita.

domingo, 10 de outubro de 2010

À memória de um Amigo de Macau

No passado dia 4, faleceu, em Macau, o Dr. Henrique Rodrigues de Senna Fernandes. As exéquias decorreram na passada sexta-feira. Ao conhecer a triste notícia do seu falecimento e ao ler, no Jornal Tribuna de Macau, os testemunhos dos amigos Carlos Frota, Embaixador, e Jorge Silva, Jornalista, senti-me imensamente comovido.

Já escrevi neste blogue que Macau é uma das minhas terras que trago no coração. Lá vivi, com felicidade, mais de treze anos e deixei muitos amigos. O Dr. Henrique Senna Fernandes era um deles. Homem sábio, um português dos maiores, fez-me companhia durante muitas horas e ensinou-me a compreender o ponto de entendimento das culturas chinesa e ocidental. Era advogado, mas sobretudo um escritor com sentimento, fiel ao que de melhor pode oferecer a cultura portuguesa. Contava histórias com prazer. Era exagerado nos elogios que a mim, enquanto Presidente do Clube Militar, de que ele era o sócio n.º 29, por vezes, fazia. Contudo, as suas críticas e recriminações, que não as poupava, assumiam a forma de conselhos sábios que dava gosto ouvir.

Dr. Henrique Rodrigues de Senna Fernandes
(Foto do Jornal Tribuna de Macau)

Dos quatro livros que publicou, dois já mereceram a adaptação ao cinema. Neles é constante o encontro dos costumes e culturas portuguesa e chinesa. O primeiro filme, baseado no livro A Trança Feiticeira, foi obra de produtores chineses e teve a participação de Filomena Gonçalves e Ricardo Carriço. O segundo, Amor e Dedinhos de Pé, foi adaptado ao cinema por Luís Filipe Rocha e teve a participação do actor português, Joaquim de Almeida.

Senti, particularmente, o ambiente recriado na Trança Feiticeira pela mística que o autor encontrou no Jardim de S. Francisco, ponto de encontro de amores, mais ou menos discretos, por vezes proibidos.

Eu próprio senti aí essa mística, ao ponto de, em certa altura, ter passado ao papel uns versos, e, por cima deles, ter escrito umas notas de música que deram origem a uma bonita melodia, a que chamei Canção do Jardim de S. Francisco. Entreguei essa canção à Tuna Macaense que a cantou vezes sem conta, acabando por a incluir num disco publicado em 1997, intitulado TiTi Bita de Lilau.

Recordo aqui essa melodia em memória do saudoso amigo Henrique de Senna Fernandes.

Fotos de Macau e canção Jardim de S. Francisco

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O instinto adivinhador das andorinhas

No último domingo, 3 de Outubro, o céu estava coberto de nuvens baixas que debitavam uma chuva fria e miudinha. Por vezes, o ambiente clareava e o sol quase que queria aparecer. Mas logo voltavam as nuvens de chumbo.

A tarde estava a começar. Estava em casa na minha Aldeia e, em certo momento, olhei para a rua e vi um bando de andorinhas a esvoaçar perto da janela. É estranho que, nesta altura do ano, ainda haja andorinhas que não iniciaram a sua longa viagem migratória. Pode até ser que sejam já residentes permanentes. Como que querendo entrar pela vidraça em arremetidas sucessivas, sem nunca chegarem a bater nos vidros, iam e vinham. Abri a janela e vi que muitas delas já se agarravam desesperadamente à parede mesmo por debaixo do beiral, como se estivessem a querer fugir e esconder-se de um invisível e temível predador, mas sem mostrarem grande receio pela minha presença. Tirei algumas fotografias para documentar este episódio anormal.

As andorinhas agarrando-se à parede

Sentei-me descontraidamente a pensar nas interpretações possíveis deste tipo de fenómeno da natureza. Cerca de cinco minutos depois, comecei a ouvir o sibilar forte do vento. Fui à janela e vi que se tinha desencadeado um vendaval de dimensão considerável. Havia muitas folhas no ar e as copas das oliveiras rodopiavam como se estivessem a ser passadas por uma enorme e invisível varinha mágica. E, de repente, a chuva começou a cair em catarata ao ponto de se formar uma cortina que tapava completamente o horizonte, permitindo apenas alguns metros de visibilidade. As valetas transformaram-se rapidamente em levadas e a estrada ficou coberta por um lençol de água como se de um ribeiro se tratasse.

A tempestade

Durou uns cinco minutos esta tempestade adivinhada pelas andorinhas que se abrigaram o melhor que puderam no sítio onde habitualmente se sentem mais seguras para construírem os seus ninhos: o beiral.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Festa molhada é festa abençoada

Festa molhada é festa abençoada. Assim se conforma o Povo quando as cores das festas tradicionais não se podem exibir pelas ruas da minha Aldeia. No passado Domingo, 3 de Outubro de 2010, uma chuva fria e miudinha, puxada a vento, por vezes intensa, impediu os estandartes e as bandeiras coloridas das irmandades de saírem à rua e acompanharem o Santíssimo Sacramento na saída da sua festa anual. É uma festa tradicional, celebrada no primeiro domingo de Outubro, muito colorida e animada, onde o Povo exprime a sua devoção religiosa, como que a agradecer a Deus as boas colheitas do período de Verão.

A procissão foi breve, o tempo necessário para, em andamento muito lento, dar a volta pelo interior da Igreja.

A Procissão dentro da Igreja acompanhada pela Filarmónica da Peroviseu
O filme também está no Youtube ( http://www.youtube.com/watch?v=FZj6hER_mEM).

Os sons festivos da banda filarmónica não alegraram as ruas, mas acompanharam esta breve procissão.

Os pregões da tradicional quermesse de ofertas, aqui chamada “ramo”, recolheu ao ambiente limitado do espaço do Centro de Dia.

Foi, contudo, espectacular o foguetório da alvorada, que, por as nuvens estarem baixas, ecoou em ribombar impressionante, vezes sem fim, baixando de volume até se deixar de ouvir. A alvorada foi notável e bem planeada, pois não tirou ninguém da cama, já foi feita a horas aceitáveis, e incluiu várias séries de morteiros, foguetes estrelejantes e morteiros a seguir. No fim, um final rebentamento mais forte ecoou muitas vezes.

O tradicional ramo, que costumava ser leiloado junto à Igreja, foi feito, desta vez, em espaço fechado. Oxalá que a Confraria do Santíssimo consiga, este ano, face às condições adversas, juntar fundos para poder pagar as despesas da festa.

domingo, 3 de outubro de 2010

O tear

1. O ambiente social do pós-guerra

A seguir à Segunda Guerra Mundial, ainda na década de quarenta, a vida era difícil em todo o mundo. As pessoas da minha Aldeia e as famílias, impulsionadas pela solidariedade natural, deitavam mão a tudo o que podiam para sobreviverem à grande crise que então se vivia. Nesse tempo, poucas eram as casas que tinham electricidade, que, em todo o caso, se limitava a alimentar duas ou três lâmpadas. As máquinas e utensílios domésticos são invenções muito posteriores. Não havia ainda telefone. Os cântaros faziam uma bicha permanente nas duas únicas fontes de mergulho que abasteciam a população com água potável, saborosa e fresca. A terra era um bem precioso. E quem podia ter uns metros quadrados dela com um poço para tirar água, quase sempre à custa do esforço braçal aplicado no varão de um picota, ou burra como se dizia na gíria local, já era rico. E, não sei bem porquê, ainda ninguém se tinha lembrado de introduzir as casas de banho nas habitações. Não havia serviços sociais, nem Centros de Dia. Havia um padre, um médico, e dois professores, um e uma. Nas ruas as galinhas e os porcos passeavam-se livremente, mas sempre sabiam, no fim do dia, regressar às capoeiras e aos currais dos respectivos donos. De vez em quando, vinham os Guardas Republicanos, ostensivamente fardados e armados. As pessoas fugiam deles e metiam-se em casa com medo ou desandavam furtivamente para os campos. Só alguns garotos continuavam indiferentes à presença dos guardas, envolvidos nas suas brincadeiras. Lembro-me de um dia os guardas nos terem interrompido a brincadeira e nos terem perguntado de quem eram aquelas galinhas. Nós fomos com eles à casa da dona. Um dos guardas tirou o capacete e fez sair do forro um papel dobrado e amarelecido pelo suor. E leu uma postura que proibia a vagabundagem das galinhas. E obrigou a pobre da senhora a pagar dez tostões de multa. Desde então sempre senti antipatia natural pelos guardas e polícias.

De outra vez vinha eu do campo com a minha cabrita pela rédea. Em frente ao Cemitério da Aldeia, encontrei dois guardas que desciam em sentido contrário. Ao aproximarem-se de mim, disseram:

- Ó Zé anda cá!

E logo me tiraram a rédea da mão e um deles perguntou:

- Onde é que foste passear a cabra!


- Pelos cômoros, senhor guarda!


- Hum! Tu foste mas é ao Lameiro do Senhor Conde!


- Não fui não. Fui pelo caminho e ela comeu pelos cômoros que são do povo.

O outro guarda disse:

- Deixa o garoto que já está cheio de medo.


- Então está bem. Desta vez podes ir em paz.


2. A chegada do tear

Foi neste ambiente, que, no início da década de cinquenta, por certa altura do ano, apareceu, na nossa casa, um instrumento novo. Um tear novinho em folha saído das mãos de um carpinteiro da Aldeia. Ainda sinto o cheiro da madeira nova aparelhada e ouço o roçar da plaina a fazer os últimos ajustamentos para facilitar os encaixes.


O tear

A partir de então, a vida mudou muito na nossa casa, pois todos os serões passaram a incluir trabalhos de apoio ao tear.

Era uma grande azáfama permanente. Havia pelos cantos pacotes com meadas de algodão branco, inicialmente comprados pela minha Mãe no Fundão e mais tarde trazidos por fornecedores. Roupas velhas cheirando a lavagem recente eram esfarripadas em ourelos que eram enrolados em novelos que quase chegavam a atingir metade do tamanho actual de uma bola de futebol.


Novelos de ourelos

Numa segunda fase, os ourelos eram estirados e enrolados em meias canas de cerca de meio metro, formando as canelas que depois passavam por entre as fiadas de algodão no tear.

Novelos de ourelos e canelas

As meadas de algodão eram postas, uma a uma, no argadilho (dobadeira) que rodava constantemente puxada pelo fio que ia alimentando o novelo redondo até este ter o tamanho um pouco maior do que uma vulgar bola de ténis.

O argadilho

As canelas de ourelos eram preparadas às cores para depois serem usadas segundo o critério e o gosto da tecedeira para a manta ficar mais ou menos colorida.

Os braços de cruzamento e o batente

Vinha a seguir a tarefa de carregar o tear com o algodão. Era um trabalho que tinha de ser feito com paciência e que podia levar alguns dias. Um grande número de novelos de algodão, que variava segundo a largura da manta, desfazia-se lentamente, sendo os respectivos fios enrolados simultaneamente, de maneira ordenada, no carreto da frente do tear.


O carreto da frente e o de trás

Depois, cada um dos fios era puxado e passado por dois obstáculos. O primeiro era o dos braços de cruzamento, passando cada fio pela janela de um araminho de um dos braços, de modo alternado.


Régua usada para ajudar a carregar o tear evitando o eriçar dos fios de algodão

Estes braços eram accionados por pedais, subindo um e descendo o outro, deixando uma folga entre as camadas dos respectivos fios por onde era passada a canela com os ourelos. A seguir, todos os fios passavam no pente do batente e eram depois enrolados no carreto de trás. Este carreto acolhia, no começo, só fios de algodão, mas, passado cerca de um metro, começava a manta a chegar.

O pente ancaixado no batente

3. A tecelagem

Pam, pam, pam!.. Pam, pam, pam! Por dias sucessivos, de manhã à noite, as séries de pancadinhas não paravam e acabaram por se transformar num ruído de fundo monótono como o dos ponteiros do relógio.

Quando a cliente queria a manta bem batida, as séries podiam ter quatro ou cinco pancadas.

Às vezes havia urgências. Era o filho ou a filha que se ia casar ou emigrar e era importante levar a manta novinha. E então a tecelagem prolongava-se pelo serão, rendendo-se as tecedeiras, a minha Mãe e as minhas irmãs, no posto de trabalho.

Na aldeia chegou a haver várias tecedeiras, mas sempre ouvi elogiar as mantas tecidas pelas mulheres da nossa casa. Eram bem batidas e coloridas com gosto, num algodão de qualidade. Quentinhas no Inverno e frescas no Verão. Foi um produto que sempre teve escoamento assegurado. Não me lembro de alguma vez ter havido em stock uma manta sequer.

Vista lateral do tear

Este tear está velho e desfaz-se em pó de caruncho quando lhe tocamos. No entanto, espero que ainda possa servir de modelo para, a partir dele, fazermos uma cópia nova. Espero dar notícias em breve.  

sábado, 2 de outubro de 2010

Quando ter história é ter muitos anos e ser diferente

Junto à minha casa da aldeia, há uma construção de certo modo estranha por ter, em relação às outras, alguns motivos de interessante diferenciação: a forma rectangular, uma única porta da entrada ao meio da fachada principal, a inexistência de janelas, o volume das pedras em paralelepípedo que integram as suas paredes muito grossas, o rigor com que essas pedras foram talhadas e encaixadas umas nas outras e o resto daquilo que terá constituído a cobertura inicial que terá sido de pequenas lajes de granito.


A frente da casa com história

Desde o início do sempre da minha existência que passo no local e que vejo a casa ali sem reparar bem nela.

Porém, um dia destes, um dos vizinhos, ao passar por mim no local e após me dar os bons dias, comentou, chamando-me a atenção para a construção em causa:

Vestígios da cobertura primitiva

- Esta casa tem história.

- Sabe alguma história acerca desta casa? Perguntei.

- Não sei. E o Senhor sabe? Retorquiu ele.

- Eu sei que, nos anos cinquenta ou sessenta, era aqui guardada uma junta de valentes bois castanhos e que o rapaz que cuidava deles dormia lá dentro numa tarimba elevada do chão e encostada à parede da retaguarda, que eu cheguei a ver. Disse eu.

- E chamava-se José Nabinho e emigrou cedo para França e ainda por lá anda. Acrescentou ele.

- Esta é a história que eu sei. Concluí eu.

- Mas isso é aquilo que toda a gente sabe e, por isso, não é história. História é ser uma construção antiga e ter muitos anos. E ser um tipo de construção diferente dos outros à volta.


Assim sendo, tem razão o meu vizinho. A construção em causa reúne as características para ter uma longa história.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

OS ENCANTOS DA NOSSA PRAIA (2)

Em Armação de Pera, nos meses de Agosto e Setembro de cada ano, os veraneantes são surpreendidos por duas festas religiosas com uma raiz popular muito antiga. São as festas de Nossa Senhora dos Navegantes, em meados de Agosto, e de Nossa Senhora dos Aflitos, em meados de Setembro. Faz sentido haver esta festa em Setembro, pois é, na verdade, um mês de aflição para muita gente, por ter que arranjar dinheiro para pagar a segunda prestação do IMI e a conta do IRS.

A festa de Nossa Senhora dos Aflitos ocorreu no passado fim de semana.

A bonita imagem da Senhora dos Aflitos

No primeiro dia da festa, uma colorida procissão com o andor de Nossa Senhora dos Aflitos, saiu da capela de Santo António da Fortaleza, construída em 1720 em honra do Padroeiro desta fortificação, para a Igreja Matriz. No domingo, ao fim da tarde, a procissão fez o caminho inverso, passando pela praia, dando-lhe um aspecto diferente e colorido, surpreendendo os banhistas que gostam de aproveitar a praia até ao pôr do sol.

A Praia da Fortaleza iluminada pelo fogo de artifício

À noite, houve uma prolongada sessão de fogo de artifício, que, durante mais de vinte minutos encheu o céu da praia com sucessivas e explosivas rosáceas luminosas de várias tons, para admiração dos muitos veraneantes que se juntaram na Fortaleza e na Marginal até à Praia dos Pescadores. Por breves segundos a Praia aparecia cheia de estranhas formas e sombras, como num conto de fadas.

A Praia da Fortaleza iluminda pelo fogo de artifício (2)

O tempo esteve excelente durante todo o fim de semana.

domingo, 19 de setembro de 2010

OS ENCANTOS DA NOSSA PRAIA (1)

Há mais de trinta anos que considero a praia de Armação de Pera como a nossa praia preferida. Durante este longo período, vimos aparecer muitas modificações, quase sempre para melhor. Numa postagem anterior, já reportei as modificações ocorridas na zona marginal, salientando as saudades que sentimos do Minigolfe. Mas há muitos pormenores que se mantêm e que dão a esta praia um ambiente agradável. Por exemplo, apesar de todas as transformações, numa das ruas que dão acesso à Fortaleza, continua um convite, com um elevado toque de filosófico romantismo, para descansarmos.


"Está Cansado? Sente-se e relaxe. Olhe que a vida é curta."

Estas cadeiras são uma gentileza de um dos residentes, mas já gozam de imagem pública e merecem ser preservadas pela autarquia.

Por outro lado, no extremo nascente da praia, a Lagoa é um rico viveiro de aves.


Gaivotas e garças

Há quem a queira ver aterrada alegando que, imaginem, é um viveiro dos incomodantes mosquitos. Porém a verdadeira razão é a ambição desmedida da especulação imobiliária.

A Lagoa dá cor à paisagem.

Ainda há poucas semanas, vimos uma cegonha misturada com as gaivotas.

Encontramos facilmente garças e mansos pica-peixes, que quase se aproximam de nós.

Pica peixe

E, ainda, permite-nos ver de vez em quando, a passar ou a pastar por ali, cavalos e vacas, dando um aspecto bucólico à paisagem junto à praia.

Manada de vacas a pastar


Já não será fácil encontrar em Portugal muitas praias tão bonitas como esta.

Passeio a cavalo

Está cansado? Venha até à Praia de Armação de Pera e, com uma bebida fresca num dos restaurantes perto da Lagoa, aprecie estes encantos da natureza. Olhe que a vida são dois dias!

domingo, 12 de setembro de 2010

AS TAPEÇARIAS DE PASTRANA

“A Invenção da Glória, D. Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana” é o título de uma exposição temporária que, há já alguns meses, está a ser divulgada pelo Museu Nacional de Arte Antiga para o período de 12 de Junho a 12 de Setembro de 2010. (Prazo agora alargado até ao próximo dia de 3 de Outubro!).

Portanto, hoje seria o último dia da exposição e eu ficaria com pena se não a fosse ver. Parece impossível que, estando o Museu a 10 minutos a pé da minha casa, eu tenha deixado esgotar o prazo com o risco de perder a oportunidade de ver estes tapetes históricos.

Porque, no último dia, costuma haver muita gente, decidi ir mais cedinho. Valeu a pena.

As quatro tapeçarias expostas são, na verdade, um monumental retrato colorido de duas importantes acções militares de D. Afonso V: 3 respeitam à tomada de Arzila, em 24 de Agosto de 1471 e a quarta retrata a ocupação de Tânger, poucos dias depois, em 28 de Agosto. O Rei e o seu filho primogénito, futuro D. João II, são aí enaltecidos.


Tapeçaria do cerco

São tapetes enormes, em lã e seda, com cerca de onze metros por quatro e com uma diversidade cromática que nos encanta. Por outro lado, há um sem número de personagens equipados com armas e bagagens conforme o uso daquele tempo.

Segundo a explicação que nos foi dada, as tapeçarias foram confeccionadas poucos anos depois dos referidos acontecimentos, o que faz aumentar o seu valor como documento histórico. Até então, não era costume reproduzir em tapeçarias factos da história coeva. O uso era confeccionar lindas tapeçarias com cenas bíblicas ou mitológicas.


Pormenor da tapeçaria do assalto

Embora sejam conhecidas como Tapeçarias de Pastrana, não se sabe quem desenhou os cartões que terão servido de molde aos tecelões da oficina Passchier Grenier, de Tournai, da Flandres. No entanto, parece certo que o artista era flamengo, pois Arzila e Tânger aparecem desenhadas com toque da arquitectura flandrina. As características distintivas introduzidas, apenas alguns minaretes, terão resultado de informação oral.

Pastrana é a localidade onde se encontram guardadas, a 200 kms de Madrid, na Igreja da Colegiada de Nossa Senhora da Assunção, sendo propriedade da Diocese local. Não se sabe sequer se alguma vez já tinham estado em Portugal.

Um pormenor interessante é o facto de a tapeçaria do desembarque apresentar um elevado número de mortos amontoados pelo mar junto às muralhas, havendo outros a flutuar. Segundo as crónicas, no desembarque, perderam-se cerca de 200 homens dos 30.000 da expedição, mais por imprudente precipitação do que por outras razões. É certo que o mar estava agitado, mas o Rei, impaciente, decidiu entrar num bote e remar para terra. E uma boa parte do exército decidiu fazer o mesmo, entrando à molhada nos botes de desembarque, alguns dos quais, sobrecarregados, logo se afundavam com o movimento das primeiras ondas.

Nas tapeçarias todos os milhares de figurantes são representados de modo diferente. Não conseguimos ver nelas dois bonecos iguais.

D. Afonso V no seu cavalo

Quem terá encomendado estas tapeçarias? Quem as terá pago? Por que razão não vieram para Portugal? Como foram parar à propriedade da Igreja Espanhola? Estas são algumas das muitas questões relativas às Tapeçarias, para as quais ainda não há resposta.

Em certo momento, nem sequer lhe atribuíram grande valor, uma vez que duas delas foram mutiladas longitudinalmente para se ajustarem ao espaço em que foram dependuradas. Ainda há poucos anos estavam em muito mau estado de conservação, com buracos que, nalguns casos, atingiam vinte centímetros de diâmetro. Foram recentemente primorosamente recuperadas pela Fundação Carlos Amberes e espera-se que, quando regressarem à casa de origem, aí já possam encontrar um espaço com as devidas condições de conservação.


A entrada em Tânger

Um boa notícia final: a Guia que nos acompanhou na visita informou-nos de que o prazo da exposição foi prolongado até ao dia 3 de Outubro.

É uma oportunidade a não perder. Depois já só será possível ver estas tapeçarias no estrangeiro.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

PAULA REGO, UMA ESTRELA NO CASINO ESTORIL

Já referi várias vezes a importância social que o Casino Estoril dá aos eventos culturais, quer organizando alguns, quer apoiando outros.

Na tarde do passado dia 8, tive a oportunidade de participar no importante evento da entrega do prémio “Personalidade do Ano” atribuído pela Associação de Imprensa Estrangeira (AIEP) à pessoa ou instituição que, em cada ano, mais contribui para a divulgação e prestígio do bom nome de Portugal no estrangeiro. Este ano, a laureada foi a pintora Paula Rego, pessoa que eu desejava conhecer pessoalmente para ver a fonte verdadeira de uns quadros que me impressionam muito pelas cores agressivas e pelas posições e expressões ousadas das figuras femininas. Fiquei muito surpreendido quando a vi em pessoa, pois imaginava-a muito diferente. É pequenina, apresenta-se simples como é, sem mascarilhas. Fala descontraída e sem complexos. Os seus olhos vivos e as rugas da cara falam, com a sua expressão, mais do que as próprias palavras. Com estas, pouco mais disse que

 "Dêem mais apoios à cultura, inventem um Euromilhões para a apoiar" e



“Isto tudo acontece por causa deste Senhor” e indicou o Presidente da Câmara, António Capucho, “por me ter dedicado um espaço em Cascais. Obrigada.”

Foi um privilégio para mim ter tido a oportunidade de ver esta grande Senhora da cultura portuguesa em pessoa, e, para além disso, ao lado da nossa bonita Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, também ela artista.




Parabéns à AIEP, na pessoa da sua simpática Presidente, Adriana Niemeyer, pela escolha que fez e aos organizadores do evento por terem conseguido convencer a Paula Rego a ceder algum do seu tempo para ir ao Casino Estoril receber o Prémio.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

No Auditório dos Oceanos, a arte e o talento na vivificação de máscaras

Estreou-se ontem no Auditório dos Oceanos, no Casino Lisboa, um tipo de comédia a que não estamos habituados. Um só artista desdobra-se continuamente numa série de personagens do mundo do entretenimento e da política, vivificando com mestria as respectivas máscaras, como se estivéssemos a ver passar as páginas de um livro para crianças, em que o boneco de cada página acorda e nos canta uma canção, desdobrando-se ele próprio no boneco da página seguinte.

Mesmo sabendo que o cartaz refere um nome masculino, levamos algum tempo a perceber se o comediante é, de facto, homem ou mulher, uma vez que ele imita perfeitamente os movimentos das máscaras de qualquer dos sexos, mesmo quando há personagens em dueto, como acontece na canção “Let’s call the whole thing off” de Louis Amstrong e Ella Fitzgerald.

Apesar de o número de canções passadas em play back total ser elevado, não sentimos os olhos a querer fechar. Mesmo cansados ficam abertos até ao fim do espectáculo sem dificuldade. Para isso contribui a variedade dos temas e dos géneros, da música ligeira à clássica, onde nem sequer falta, imaginem, um pequeno apontamento de música de ópera chinesa e um aparecimento breve de Mao Tsé Tung. Há também três apontamentos da música ligeira portuguesa.

O artista chama-se Ennio Marchetto, tem 50 anos e é natural de Veneza. O seu talento na representação e a sua arte na criação e apresentação cómica das máscaras permitem-nos ter um excelente serão, em que não damos conta do tempo a passar. É assim: começa, respiramos, chegou ao fim. Foi bonito. Passou sem darmos por isso.

Vale a pena ir ver este “The Man and the Show” pela arte e talento na vivificação de um considerável número de personagens, algumas das quais nos trazem recordações de saudade.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O QUE OS PUTOS SOFREM PARA VER O SOL DA FAMA N'OS ÍDOLOS DA SIC

O dia 1 de Setembro chegou ao fim e a noite, mais fresca do que tem estado nos últimos dias, vai avançada. Já é uma da manhã e as luzes do Casino Estoril, as próprias e as muitas reflectidas pelas suas paredes de vidro, dão ao ambiente uma luminosidade que permite ver bem as pessoas que vão circulando descontraídas. E já, na porta principal do Pavilhão de Congressos, se começam a juntar jovens que formam um grupo que vai crescendo a olhos vistos. A bicha formada, numa frente de nove ou dez pessoas, começa a dobrar a esquina num abrir e fechar de olhos. Vêm em pequenos grupos. Alguns trazem guitarras e ensaiam baixinho pequenas cantigas. Outros vão-se sentando no chão junto à parede e aconchegam-se com os agasalhos que trouxeram.

São dez da manhã. A fila é extensa. É uma multidão de jovens, talvez milhares, rapazes e raparigas, dos “teens” e dos “twenties”. Há operadores de câmara a filmar, a varrer com as câmaras aquela massa de gente, passando por cima dela dois grossos microfones com filtros felpudos, suportados por operadores que vão circulando segurando os longos cabos.


Há jovens que vão saindo e outros que vão chegando segurando pacotes com sandes e bebidas.


À uma da tarde, a bicha já é menor e está concentrada no outro lado do Pavilhão. Tomo, com um amigo, um café na esplanada próxima e vejo jovens a chegar e a sair com pacotes de comes e bebes. Numa mesa mesmo ao lado, senta-se um pequeno grupo. Um os jovens acompanha-se à viola, trauteando insistentemente a mesma canção. Ao fim de algum tempo desabafa: “Ainda nem sequer sei a letra toda!”.



Às quinze horas já quase não há bicha no exterior do Pavilhão. Embora os caixotes para depósito de lixo estejam a abarrotar, o espaço exterior está limpo.

Estes putos que vêm em multidão, que passam a noite numa fila para conseguirem ter a oportunidade de ver o sol da fama e que deixam o espaço ambiental limpo são de ouro. São surpreendentes. Merecem ser todos Ídolos.