terça-feira, 31 de agosto de 2010

COELHINHO DE VELUDO PERDIDO, PROCURA-SE

Ontem, no Parque Infantil do Jardim da Estrela em Lisboa, uma mão despudorada e atrevida furtou um saco com pertences de duas crianças, entre os quais se encontrava uma chucha e um Coelhinho de veludo, dois objectos preciosos e muito queridos para uma delas.

Não dá para imaginar quão triste esse Coelhinho se estará sentir por lá sem a sua legítima dona, agarrado por mãos alheias ou talvez já abandonado num caixote de lixo. Como também não é possível exprimir a tristeza e o vazio que a dona está a sentir e que ainda não é capaz de exprimir por palavras. É grande o seu desassossego por não sentir a macieza da pele de veludo e o cheiro próprio de uma mistura de múltiplos ingredientes, como sejam restos de leite e sopa, suores e lagrimazitas, o reflexo dos soluços de momentos de desconforto e os ecos dos sonhos aí depositados, nomeadamente em curtidas sonecas em cadeiras de restaurante.

Este Coelhinho é precioso demais para que fique pura e simplesmente esquecido.


Para sua memória aqui fica o registo da sua imagem na blogosfera.



Até pode ser que alguém o encontre por acaso e se empenhe em o fazer chegar à Menina sua dona, a quem faz muita falta.

P.S. - 12-09-2010 - Já arranjámos um novo Coelhinho, que parece ser da mesma família do anterior, e que foi muito bem recebido pela dona.


É parecido com o colehinho perdido, não é?

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A PAISAGEM QUEIMADA, QUE DESOLAÇÃO!

Numa postagem anterior em que falava das concentrações de andorinhas e de cegonhas, pus a hipótese de tal fenómeno, quase simultâneo, poder ser atribuído ao cheiro a queimado que pairava no ar, se bem que os fogos que eram noticiados estavam bem longe da minha aldeia.

Há dias chegou-me a notícia de que um fogo grande tinha passado por lá e tinha atingido uma das minhas propriedades.

No domingo passado, resolvi acordar cedo e ir ver com os meus próprios olhos os danos e assistir ao nascer do sol que, nesta altura do ano, surge glorioso por cima das serras da Malcata e da Senhora da Póvoa.

Há experiências que nunca conseguimos transmitir aos outros porque a descrição, por mais tentada e ensaiada que seja, nunca é completa, por não ser capaz da transmitir todas as componentes do ambiente complexo do cenário, dos cheiros, dos sons e das sensações.

Toda a vista para a serra do lado norte é negra e desoladora.


O intenso cheiro a queimado condiz com a vasta paisagem de carvão. O fogo começou muitos quilómetros acima, na Quinta de Santo António, e veio por aí abaixo consumindo o mato, carvalhos, castanheiros, cerejeiras, oliveiras e vinhas. Não há aves como há uns tempos atrás, a não ser um grupo de corvos que, mesmo ali em frente, andam numa roda viva, talvez debicando os restos do cadáver de um animal de maior porte que terá perecido no incêndio.


E quando o sol surge, tem dificuldade em passar por entre uma densa neblina de fumos de fogos ainda recentes, ou talvez ainda activos.

Com sorte, começo a ver o verde das minhas oliveiras e videiras, numa mancha de verdura que conseguiu escapar à orgia incendiária de demónios, não imaginários, mas reais.


Olho mais atentamente e verifico que apenas as filas de videiras mais perto dos vizinhos foram atingidas.


Mas mais abaixo sou particularmente tocado pela tristeza, quando verifico que cerca de vinte oliveirinhas, já plantadas por mim e que já começavam a dar fruto, estão tostadas. Toco-lhes na rama e esta desfaz-se em pó. Dobro um ramo e ele parte-se já sem vida.

Mais desolado fico quando observo a propriedade do meu vizinho.


A última vez que o encontrei ali, já uns dois anos atrás, ele, embora de idade avançada, andava de enxada em punho a fazer os cadabulhos junto às oliveiras. Não se cansou de me transmitir o seu grande amor a tudo aquilo. Há muitas dezenas de anos que vivia na casa lá em baixo e só tinha ido três vezes à povoação. A sua casa era maior, mas fora atingida violentamente por um raio, vivendo agora na parte que foi poupada. Hoje sei que ele já não está em condições de avaliar a miséria em que a sanha incendiária de malfeitores lhe deixou a vinha e o olival de que durante tantos anos cuidou.



E bastou não os cuidar nos últimos dois anos para agora estarem reduzidos a carvão.



Talvez, por isso, foi colocado, creio que pelo seu filho, numa extremidade junto à estrada, ainda com tinta fresca, o anúncio de venda.

Que tristeza e que desolação para quem ama a terra.

Um pouco mais abaixo, na Quinta do Carvalhal, vou encontrar novamente concentradas as cegonhas junto à manada das vacas da Quinta e aos repuxos da rega. As encostas onde habitualmente procuram o seu sustento estão mortas.


Talvez aí, junto à manada e aos repuxos de água, consigam sobreviver.

domingo, 29 de agosto de 2010

UM EXCELENTE MALANDRINHO.... O ARROZ

É sabido que, na Beira Interior, há bons restaurantes, muitos dos quais se interessam por valorizar receitas antigas locais, usando produtos regionais. Há vários e é fácil encontrá-los. Após alguma experiência, há uns tantos que passam a fazer parte da nossa lista dos preferidos. Um ou outro ficam-nos familiares. Já conhecemos as suas ementas e os seus sabores e vamos variando conforme os apetites. E tudo decorre dentro do normal.

Pelo menos é assim que pensamos. Mas, por vezes, temos surpresas. Foi o que aconteceu comigo no passado sábado, quando encomendei um “arroz malandrinho de cabrito”. Ao princípio tudo parecia normal. Mas depois...

O aroma permitia adivinhar algo diferente. E, de facto, assim aconteceu. Um arroz desprendido, com o paladar do arroz de cabrito que a minha Mãe fazia nos anos cinquenta, por altura das grandes festas, quando tinha oportunidade de matar um dos seus cabritinhos. Desprendido, cozido até ao ponto em que nos dá prazer mastigá-lo, com a carne bem temperada e apurada, sem o incómodo de encontrarmos pequenos bocadinhos de osso que nos fazem desesperar quando inadvertidamente os trincamos.

Não estava no meu plano beber vinho, mas não resisti a um tinto da Quinta dos Termos.

Este arroz malandrinho foi uma iguaria que me deixou consolado e me transportou aos dias das festas rijas do antigamente na minha aldeia.

Por esse regalo, os meus agradecimentos e parabéns aos amigos Carlos Couto e mulher, donos do Restaurante Hermínia do Fundão. Até à próxima!!!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O MEU RÁDIO MAIS ORIGINAL

O objecto bizarro representado nesta fotografia é, nem mais nem menos, outro dos rádios de que eu gosto por ser o mais original. E isto porque foi feito por mim.



Tem mais de trinta anos.

É um rádio-galena e tem muitas particularidades.

Antes de mais permite-nos compreender as bases do funcionamento da telefonia sem fios.

Não emite sons estridentes que nos furam os ouvidos.

É absolutamente económico. Teoricamente pode funcionar por toda a eternidade sem que nos leve um cêntimo por custos de energia.

Como assim?

É fácil de explicar.

Este aparelho produz ele próprio a energia que consome. Na verdade, os canudos que se vêem na fotografia com o fio enrolado à volta são bobines indutoras. O fio de cobre está enrolado em espiral e é esta espiral que gera uma certa potência de energia electromagnética que é posta no circuito.

A esse circuito são adicionados mais cinco elementos essenciais:

- Um cristal de rádio ou, numa versão mais moderna do mesmo, um diodo, que permite captar as ondas de rádio;

- Um condensador variável de folhas que permite regular a intensidade da corrente electromagnética no circuito e assim apanhar as correspondentes ondas de rádio;

- Uns auscultadores electromagnéticos que nos permitem ouvir os sons. Estes auscultadores têm de ser mesmo electromagnéticos pois a corrente que os vai accionar é desse tipo. Auscultadores de papel ou de outro material não sensível ao electroíman não servem para o efeito;

- Uma antena aérea;

- Uma ligação à terra, podendo ser usada para o efeito uma das torneiras da casa.

As estações de rádio seleccionadas são bem audíveis com os auscultadores ajustados nos ouvidos. Mas devo dizer que passei muitas tardes e noites a estudar com este rádio a fazer-me companhia com os auscultadores colocados em cima da mesa de estudo. Permitia-me ouvir baixinho a música ou outros programas de rádio que seleccionava suavizando o ambiente.

E tudo isto sem gastar pilhas ou corrente e por tempos sem fim.

Se quisermos aperfeiçoar o sistema podemos inserir no circuito um pequeno altifalante com uma pilha de nove volts, por exemplo, e, então sim, já podemos ouvir o rádio num tom mais alto.

Na actualidade, a construção de um rádio original idêntico a este está facilitada, pois na internet e, nomeadamente, na Wikipédia, há esquemas elucidativos com instruções em relação aos materiais a usar e a cada um dos passos da construção.

Este tipo de rádio, apesar da sua forma bizarra, faz boa companhia e é muito tranquilizador porque emite um som baixinho só audível em completo silêncio. Lembro com saudade o encanto que provocou nas minhas filhas e amiguinhos quando eram pequenitas.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

UM RÁDIO DE QUE EU GOSTO POR SER O MAIS PEQUENO

Aproveitando o fio da conversa que está agora na área dos rádios de que eu gosto, vou apresentar um dos meus preferidos, não só por ser o mais pequenino, mas também porque me lembra tempos de grande esperança que vivemos todos os que fizeram parte da Administração de Macau nos últimos dez anos da governação portuguesa. Foi um período em que havia muitas iniciativas e incentivos e todas as condições para as empresas portuguesas estabelecerem as suas bases de negócio na Cidade do Nome de Deus.

Houve muitas que aproveitaram a oportunidade. Mas hoje já são poucas as que ainda lá subsistem.


Este pequeno rádio é sensivelmente do tamanho de uma moeda de dois euros. Apanha muitas estações em frequência modelada. Tem um som excelente. Foi-me oferecido no dia em que foi inaugurada a subsidiária do Finibanco em Macau, em Maio de 1995. Foi um dia feliz para mim e para a Família Leite, dona do Finibanco, com quem tive a oportunidade de privar nessa altura. O patriarca, Sr. Álvaro Leite, já saudoso, estava radiante e os outros membros da Família não o estavam menos. O Eng. Humberto Leite não cabia em si de satisfação. A abertura do Banco em Macau representava a concretização de um passo importante na sua visão de jovem empresário.

Apesar dos votos de êxito e prosperidade que eu e muitas outras pessoas escrevemos no livro de honra no dia abertura, o Finibanco (Macau) não subsistiu por muito tempo, pois foi vendido a uma empresa de Hong Kong , a WinWise Holdings, Limited, em 27 de Maio de 2002.

Nas minhas idas posteriores a Macau não resisti, sempre que passava no local, a olhar para o ponto em que, com pompa e circunstância, em Maio de 1995, foi descerrada a designação "Finibanco (Macau) SARL", na Avenida da Praia Grande n.º 101, e a ver aí a nova e actual designação de “Banco Chinês de Macau”.

As instituições, como as pessoas, estão sujeitas às contingências da vida. O Finibanco sobreviveu em Macau apenas por sete anos, o que é muito pouco para uma instituição.

Aliás, o Finibanco parece não estar predestinado à longevidade, pois, como é sabido, está a ser alvo de aquisição pelo Montepio Geral, o que significa que, num futuro mais ou menos próximo, mudará de nome ou será absorvido, deixando de existir.

Muitas outras instituições já sofreram o mesmo. Quem não se lembra do Banco Português do Atlântico, do Sotto Mayor, do Totta. Por contraste, o BNU, que foi a grande instituição bancária do domínio colonial português, já não existe em parte nenhuma… Com excepção de Macau. Aí, sim, continua a ser uma instituição, prestigiada, sólida e muito respeitada.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

UM RÁDIO COM HISTÓRIA

Numa postagem anterior, a propósito do 75.º aniversário da Rádio Pública (Emissora Nacional), referi-me ao primeiro rádio que conheci, no tempo em que esse aparelho ainda era uma “telefonia”.

No seguimento desse tema, ocorre-me falar hoje de mais um dos aparelhos que tive e ainda tenho e de que gosto. Isto porque foi meu companheiro na guerra da Guiné e, ainda, nos primeiros anos da minha vida após o serviço militar.

A vida nas matas da Guiné era difícil. O isolamento era quase total. Tínhamos os aparelhos de comunicação militar para a actividade operacional e recebíamos, de quando em quando, as cartas e aerogramas que alguns membros da família e amigos nos escreviam. Um irmão meu enviava-me, mensalmente, um pacote com o jornal “O Século”. Depois de receber os jornais com mais de um mês de atraso, retirava um diariamente que lia como se fosse o jornal do dia, e colocava-o na mesa da messe da Companhia para os camaradas o lerem também. Havia assim a ilusão de que tínhamos um jornal diário para ler. Uma outra irmã enviava-me, por seu lado, pacotes com as fotonovelas de Corin Telhado, que passavam de mão em mão até as perder de vista.

Para ter notícias actuais, comprei, numa primeira viagem a Bissau, numa loja chamada Taufik Saad que vendia de tudo e toda a gente conhecia, um moderno aparelho de rádio da marca Hitachi. Este aparelho tinha a particularidade de ter já banda de frequência modelada o que então era novidade. Anteriormente os rádios tinham apenas bandas de onda média e curta. Este rádio era muito avançado para a época, pois permitia-me estar actualizado com a informação de Portugal e, ainda, ocupar os tempos livres procurando novas estações.


Ouvia a Rádio Bissau e as emissoras de países vizinhos, como a Guiné Conacry e o Senegal. Mas apanhava também a Emissora Nacional e muitas estações da América do Sul, nomeadamente Brasil e Argentina.


Foi numa dessas estações sul-americanas em língua espanhola que ouvi, pela primeira vez, o tema de Jane Birkin “Je t’aime, moi non plus!”. Estávamos em 1969. Fiquei impressionado com o comentário do locutor em relação às reacções puritanas que o tema estava a desencadear. Por isso, na primeira oportunidade, comprei esse disco que foi ouvido vezes sem conta no gira-discos da Companhia 2367.


Este rádio tem a particularidade de ter uma grande amplitude de banda de FM, permitindo ouvir redes de comunicações militares e redes privadas.

Certo dia, estava no aquartelamento com o rádio nos joelhos. Ao meu lado estava um major que ali estava casualmente em visita operacional. Sem esperar, começámos a ouvir o emissor do posto de rádio do aquartelamento em que um alferes, que também ali estava de passagem, estava a falar com um camarada de outra guarnição, dizendo, a certa altura: “Estou cá com “o não há figos; o tipo é isto é aquilo…”. Desancava, obviamente, no “não há figos”.

Ora “o não há figos” era a alcunha do major que estava ao meu lado. Chamávamos-lhe assim, porque, após cada ideia que expunha, acrescentava sempre como muleta final de afirmação “E não há figos!!!”
Quando o alferes voltou foi logo interpelado pelo major e mandado pôr em sentido e ouviu das boas…
Já em Portugal, esta banda larga de FM permitiu-me seguir as operações militares do 25 de Abril através das comunicações dos vários destacamentos. Acompanhei, por exemplo, a troca de contactos de um pelotão da GNR nas imediações do Quartel do Carmo com o seu comando. Mais tarde, ouvi na rádio essas mesmas comunicações que eram divulgadas com a menção de que tinham sido cedidas pelos filhos do Major Durão que as tinham gravado. Eu só não as gravei na altura porque não tinha meios.

Este rádio de que eu gosto é, assim, histórico para mim por essas e outras razões de que refiro a título de exemplo:

- Em 20 de Julho de 1969, permitiu-me acompanhar a missão da Apollo 11 que, nessa data, poisou no "Mar da Tranquilidade" da superfície lunar. Foi com entusiasmo que então eu e outros camaradas acompanhámos a chegada de Neil Amstrong e Edwin Aldrin à lua. Afinal, eles foram, até hoje, os únicos homens a caminhar no solo lunar.

- Em 2 de Setembro de 1969, estava no meu quarto do aquartelamento do Cacheu, juntamente com mais alguns camaradas que foram comigo ouvir o noticiário no meu rádio. Estava connosco o Major Magalhães Osório que, ao ouvir a notícia da morte de Ho Chi Minh, mostrou grande tristeza e nos confessou ser um grande admirador desse homem. Nós considerávamos este Major um militar excelente, com formação e qualidades fora do comum. Recordo as palavras que ele então proferiu, dizendo que, se ele governasse a América, acabava com a Guerra do Vietname em três dias, mudando a estratégia para ter Ho Chi Minh como aliado, em vez de como inimigo. Mais disse que os americanos não eram capazes de fazer isso porque nunca tinham tentado explorar o lado bom de Ho Chi Minh. O Major Osório era um convicto defensor da teoria de que a guerra colonial só podia ter uma solução política. Por isso, empenhava-se em negociações mais ou menos clandestinas com o PAIGC para encontrar uma solução pacífica para a guerra. Só que uma coisa é o ideal e outra é a realidade da vida. E assim aconteceu que, em 20 de Abril de 1970, o Major Osório, juntamente com os Majores Passos Ramos e Pereira da Silva e o Alferes Joaquim Palmeiro Mosca foram barbaramente assassinados pelos guerrilheiros do PAIGC, após terem começado com eles um desses encontros clandestinos nas matas do Pelundo, para o qual era condição essencial, aceite por todos, irem completamente desarmados. À memória destes homens ousados, hoje já esquecidos, um PN e uma AM.

Por estas e por muitas outras vivências que não é oportuno contar aqui, considero esta minha telefonia um rádio com história.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

ANDORINHAS E CEGONHAS, TOCA A REUNIR !!!

Hoje, 8 de Agosto de 2010, domingo, Portugal está debaixo de verdadeira canícula, acima dos 35 graus. Deveria ser a oportunidade para um relaxante repouso, acompanhado apenas dos relatos e reportagens das imensas festas populares e romarias que, por esta altura, se fazem pelo País inteiro.

Os noticiários, contudo, falam de factos dramáticos, num tom severo como se estivessem a relatar a terceira guerra mundial. Da Rússia ao Paquistão, passando pela Alemanha, Checoslováquia e Lituânia, há importantes forças terrestres e aéreas em acção contra incêndios e inundações de catastróficas dimensões. Na Rússia, há aldeias inteiras queimadas, com muitos mortos. E agora acaba de aparecer a notícia da destruição, pelo fogo, de uma fábrica de sofisticado armamento.

É a guerra global de um inimigo tentacular, desconhecido, só visível pelos danos trágicos que provoca.

O nosso País não foge a este cenário de catástrofe. Na última semana, houve uma média superior a 400 fogos diários. Num só dia, foram 451, quase todos a norte do Rio Mondego, precisamente a zona do País em que há mais desemprego. Estão a arder, nomeadamente, a Serra da Gralheira, em S. Pedro do Sul, o Parque Natural do Gerês, as serras de Tabuaço. Os meios terrestres e aéreos são elevados, mas não o suficiente para apagar a tempo esses inexplicáveis fogos que continuam a devastar as nossas florestas.

Há uma neblina a encobrir o céu. Parece ser uma mistura de humidade com fumo, pois, embora não havendo notícia de fogos nas proximidades da aldeia, a Capinha, é notório um marcante odor a queimado.

Não sei bem se, por virtude desta neblina híbrida e do cheiro a queimado ou por outra razão qualquer, foi possível observar, quase à mesma hora, dois fenómenos da natureza que parecem inusitados: uma enorme concentração de andorinhas e outra de cegonhas.



A Rua do Espírito Santo, na Capinha, foi o sítio escolhido pelas andorinhas. Em todos os fios e antenas que lhes podem servir de poiso, os espaços estão milimetricamente ocupados por centenas, talvez milhares dessas graciosas aves, que comunicam entre si através de constantes e estridentes chilreios.



Postadas nos fios, parecem ter receio de levantar voo para não perderem o lugar. Por vezes, esticam uma asita, depois a outra, alisam as penas com os bicos e esticam a cabeça, como que a espreguiçar-se.



 As mais atrevidas lá ensaiam um voo breve, a fazer o teste de que tudo está pronto para a grande viagem da migração anual para outras paragens. Mas quando voltam, o seu lugar já está ocupado e retomam o voo para ir procurar um outro poiso um pouco mais longe.

Num outro lugar, não muito distante, nos limites da Capinha com os Vales, está, quase ao mesmo tempo, a formar-se uma grande concentração de cegonhas.


Estas preferem as copas redondas e verdes das árvores, onde se podem ver poisadas, destacadas pelo seu porte altivo e pelas suas cores preta e branca.


O seu auto-teste de aptidão é feito em voos mais demorados, subindo em espiral até uma altura considerável e esvoaçando depois em círculos com leve perda de altura até voltarem novamente a poisar.


 Esperava que libertassem os sons característicos do matraquear dos seus bicos. Mas é enorme o silêncio para um tão elevado número de cegonhas.

Terão estas concentrações a ver com os fogos? Com a neblina híbrida de fumo e humidade? Com o odor a queimado que paira no ar? Com o intenso calor, que toda a gente considera anormal? Ou estará em causa apenas o cumprir do calendário da natureza que determina que, em certo momento, estas aves têm de emigrar para outras paragens? Quem lhes fixou a data, a hora e o local da concentração? Quem é que, afinal, disse “andorinhas e cegonhas, toca a reunir?"

Gostava de poder dar resposta cabal a estas questões.

(Nota: As fotos das cegonhas foram tiradas por Sebastien Poupier)

sábado, 7 de agosto de 2010

A PROPÓSITO DOS 75 ANOS DA RÁDIO PÚBLICA

No passado dia 4 de Agosto, a Rádio Pública, antes chamada Emissora Nacional, fez 75 anos. A propósito desta efeméride lembro-me de que...

Quando estava em Macau, o canal português da rádio local passava, de vez em quando, excertos de entrevistas em que aparecia um ouvinte a dizer:

- Eu gosto de ouvir a rádio, mas é no rádio que eu gosto.

Ao princípio, esta expressão parecia-me sem sentido. Mas, vendo melhor, passei a gostar dela porque me fazia recordar os rádios de que eu gosto e de que gostei. E estes abrangem os emissores e os aparelhos receptores e os meus primeiros contactos com eles.

O primeiro aparelho de rádio terá chegado à minha aldeia, Capinha, no Concelho do Fundão, logo a seguir ao termo da Segunda Guerra Mundial, a casa dum prestigiado comerciante local, o Senhor João Barbeiro. A sua loja vendia um pouco de tudo o que respeita a mercearia e a drogaria. Mas era também uma espécie de farmácia local, pois era lá que a minha Mãe ia comprar os comprimidos e os xaropes quando eu tinha febre, tosse ou dor de barriga.

No dia 13 de Maio de cada ano, o Senhor João Barbeiro abria a sua casa à povoação e ficava literalmente apinhada de gente que acompanhava as cerimónias de Fátima com uma religiosidade enorme como se estivessem na Igreja. Por entre elas furavam os garotos que se aproximavam tanto quanto podiam da caixinha mágica de onde saíam os sons. Durante alguns anos o 13 de Maio foi um verdadeiro acontecimento social em casa do Sr. João Barbeiro.

Mas a sua exclusividade acabou, quando à aldeia chegaram outros aparelhos de rádio. À casa dos meus pais chegou, se não o segundo, seguramente o terceiro. Num certo dia, ia eu a entrar em casa e estava lá um senhor muito bem vestido (Sr. Neves) a fazer uma demonstração. A atendê-lo estava uma das minhas irmãs, que, na altura, era jovem e bonita. Era tecedeira. Tecia vistosas mantas de retalhos. Estava deliciada com o aparelho e já o tinha estrategicamente instalado em cima de uma cómoda da sala.

O Sr. Neves deixou o aparelho à experiência.

O aparelho de rádio deixado pelo Sr. Neves (Frente)
Tem o número de fábrica 998077

O preço era tanto e podia ser pago às prestações. A minha imã estava feliz. O problema era convencer o Pai e a Mãe.

- Isto está aqui só para ver se gostam. Ele vem para a semana levá-lo de volta. A prestação é baixa e eu posso ajudar a pagar. Dizia a minha Irmã.

- Não quero isso aqui. Com a música a tocar vão pensar que a nossa casa é casa de ricos ou de gente de mau porte. Se não o vier buscar, eu deito-o para a rua ou queimo-o na lareira. Dizia o meu Pai.

- Mas o Sr. Neves deixou mais rádios à experiência na aldeia. Já ouvi dizer que já houve pessoas que compraram. Rematava a minha Irmã.

Foi assim que, com um diálogo deste tipo, o primeiro aparelho de rádio ganhou o direito de entrar na casa dos meus pais. Isto ainda na década de quarenta.

O aparelho de rádio deixado pelo Sr. Neves (Rectaguarda)

Porém, certo dia, o destino desse aparelho esteve por um triz.

Foi num fim de domingo. Como era costume naquele tempo, os homens passavam as últimas horas livres do fim de semana na taberna e regressavam a casa já tocados. Já era noite. A porta de entrada da casa abriu-se subitamente e foi fechada com estrondo. O meu Pai entrou praguejando e falando alto. Foi direitinho ao aparelho de rádio, pegou nele e dirigia-se já com ele para a cozinha. O cabo de ligação à tomada deteve-o por uns instantes e obrigou-o a virar-se para trás e encarar as caras espantadas e amedrontadas da mulher e das filhas. Nesse momento saiu-lhe o seguinte reparo:

- Vinha eu lá em cima, no começo da calçada e já ouvia o barulho desta porcaria. O que vai pensar o Povo em relação aos nossos costumes?

- Ó Homem, se queimas isso vamos ter de o pagar. E onde arranjamos tanto dinheiro para isso? Deixa-o ficar e logo o levam. Exclamou a minha Mãe.

O mostrador do rádio de que eu gosto

O rádio lá ficou. E o meu Pai veio a condescender. Creio que para isso contribuíram decisivamente os seguintes dois factos:

Um dos companheiros de trabalho (O Ti João Fatela) decidira comprar um;

A minha irmã demonstrou-lhe que, no rádio, previam o tempo.

- E se o Pai ouvisse ficava logo a saber se no dia seguinte vai chover ou fazer sol!

A partir de certa altura, o meu Pai já era um fan de dois dos programas da Emissora Nacional: o Notíciário das Vinte e o Boletim Meteorológico. Ai de quem o interrompesse quando estava a dar o tempo...

O rádio de que eu gosto é esse aparelho velhinho que guardo religiosamente e que ainda funciona. Olho para ele com ternura e, mesmo desligado, deita música. São as canções da Maria Papoila, da Aldeia da Roupa Branca. As vozes da Maria Clara, do Tristão da Silva, da Maria José Valério, do Tony de Matos, da Amália, do Carlos Ramos, do Alfredo Marceneiro....

Ligado, com a luz da sala apagada, o rádio projectava na parede um quadro de bolinhas de luz que transformavam o ambiente, dando-lhe um ar acolhedor e um sereno aspecto de média-luz.

O ambiente de média luz

A Emissora Nacional foi sempre o rádio de que mais gostei.

Os meus parabéns à Rádio Pública pelos seu 75.º Aniversário!!!