terça-feira, 12 de junho de 2007

10 DE JUNHO DE 2007 – DOMINGO – DIA DE PORTUGAL

Por virtude de uma não determinada motivação, senti vontade de voltar a ler clássicos da literatura portuguesa. E, casualmente, peguei, há dias, numa das obras de Camilo Castelo Branco, concretamente a que tem o número 55 na lista das 80 obras deste autor apresentada pela editora Parceria A M Pereira, Lda., na contra-capa de todos os livros camilianos. Acabei agora de a ler e vai, por isso, preencher o meu post de hoje.

Camilo escreveu muitas obras não só porque tinha talento para isso, mas também porque precisava de as vender para ganhar meios de subsistência. É o primeiro autor português profissional, no sentido de que vivia exclusivamente daquilo que escrevia.

Gostei de ler Mistérios de Fafe que o próprio autor classifica como romance social, em relação ao qual faz, na primeira página, a seguinte advertência:

Aviso às pessoas incautas – Esta novela contém adultérios, homicídios, missionários e outros cirros sociais.
Almas em flor de inocência e candura, não leiam isto que trescala de gafaria, em que forçadamente a leitora, afeita ao ar puro das regiões vizinhas do céu, há-de sentir nausear-se-lhe a alma.
Nalgumas quintas do Minho, ameaçadas de ladrões, erguem-se uns postes que dizem: “Aqui há ratoeiras!” Os ladrões, graças à instrução, lêem e passam.
Neste livro inverte-se o estilo: os salteadores da pudicícia levantam bem alto o letreiro que diz: “Aqui há ladrões!”
Sem o qual letreiro, este livro seria um abismo.

Primeira observação – A leitura desta obra permitiu-me o contacto com muitas palavras e expressões interessantes, já não usadas hoje no português do dia a dia ou até mesmo já caídas em total desuso. Sublinho, por exemplo, na transcrição acima, as expressões cirros sociais e trescala de gafaria. Por outro lado, há costumes relatados que se mantêm, se bem que com uma nova versão. É o que acontece, por exemplo, com o costume de afixar os letreiros referidos na advertência que, na versão em uso actual, se encontram reduzidos à expressão Cuidado com o cão!

Segunda observação – É interessante sentirmo-nos na vivência da primeira metade do século dezanove, época em que decorrem os acontecimentos romanceados pelo autor. Como é natural, é total a ausência de palavras modernas hoje muito comuns como sejam rádio, televisão, fotocópia, internet, email, e digital. A palavra mais avançada no tempo que é usada é o adjectivo eléctrico, caracterizando, a certa altura do romance, uma certa reacção eléctrica.

Terceira observação – Este romance foi publicado a primeira vez em 1868. Tinha Camilo vivido já 43 dos seus 65 anos e reflecte a experiência da sua vida pessoal muito atribulada.

Quarta observação – Põe-nos em contacto com aquilo que era a sociedade portuguesa na primeira metade do Século XIX sendo muito curiosa a referência feita à vida social em Cascais em meados desse século.

Gostei muito de ler esta obra. Vou continuar a ler Camilo...

1 comentário:

Billy disse...

E como era a descrição da vida em Cascais?

Tinha a sensação de que o Camilo era do Norte... Ah, mas fui verificar à wikipedia e aparentemente nasceu em Lisboa e, quando ficou órfão é que foi viver para o Norte.

Então fico ainda mais curiosa por saber qual era a descrição dele de Cascais...