quinta-feira, 5 de junho de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 5. Dia 24 de Abril, de Tel Aviv a Tiberias. 5.2.


5.2. Em Cesareia Marítima.

A chegada a Cesareia parece, no começo, o encontro com um recanto vulgar, porque apenas podemos ver a entrada modesta do parque arqueológico, o qual, por estar num nível mais baixo, não é logo visível. Mas depois de passarmos a cancela da entrada, a nossa vista começa a encher-se com as revelações que se vão sucedendo.

Logo à entrada deparamos com a colorida estátua de um legionário romano, junto da qual muitos dos visitantes aproveitam para posar e tirar a sua primeira fotografia no parque.



Depois, à esquerda, há uma maquete do complexo onde os guias turísticos exibem os seus conhecimentos históricos, por vezes retocados com remoques políticos.

Enquanto ouvimos as explicações, os nossos olhos fogem-nos para a frente e passeiam por uma muralha circular construída com uma pedra amarelada e meio corroída pelas muitas intempéries que suportou durante cerca de dois milénios. Mas a minha curiosidade centrou-se num pequeno conjunto de pontos de mármore branco expostos junto à porta principal dessa muralha.



Acabada a explicação dirigi-me logo para esses pontos brancos, pois o meu interesse era enorme.

O nosso guia Sebastião apareceu para explicar que aquelas imagens de mármore branco representavam a evolução da religião nos primeiros anos da nossa era, em que Cesareia foi uma cidade próspera. O mármore branco das diversas figuras, pelo seu aspeto e consistência, parece ser originário de uma mesma zona geológica, para não dizer de uma mesma pedreira. O Sebastião disse que foi trazido do norte de África, então território romano.

Na Terra Santa não há mármore. Mas há uma pedra alvar, muito bonita, do tipo da nossa pedra de Ançã, usada nos rendilhados dos monumentos da era manuelina.

Das várias figuras ali expostas destaco duas: um enorme pé do deus romano Neptuno.



E uma estátua relativamente pequena de um homem com um cordeiro pelos ombros, figura esta que é tida como uma das imagens mais antigas da era cristã, em que Cristo é representado na figura do bom pastor.



Passámos pela porta da muralha e entrámos logo no anfiteatro romano. É esplendoroso. Está bem recuperado e é usado agora, com alguma frequência, para concertos e representações. Sentei-me, por momentos, num dos lugares para imaginar aquele espaço na era herodiana cheio dos habitantes de então a assistir a uma representação declamada em latim. Maravilhado pude ouvir distintamente a conversa de duas pessoas que conversavam no meio da arena.



Desloquei-me até lá e também declamei o poema “ó mar salgado” do Fernando Pessoa. Podia ser que chamasse a atenção de alguém dos vários grupos de turistas que por ali pairavam ouvindo as explicações dos seus guias. Um anfiteatro construído por volta do ano 20 antes de Cristo, agora com os seus quatro mil lugares numerados, ainda a ser utilizado. Fabuloso!



O trabalho arqueológico tem sido intenso e cuidadoso, no sentido de preservar os aspetos antigos do local. Estes são, por si só, um livro de história aberto.

Há vestígios de, no local, ter existido um porto fenício. Sobre as ruínas deste porto, Herodes o Grande, que teve o auge do seu poder sobre a região nos anos de 29 a 22 antes da era cristã, construiu esta enorme cidade que batizou de Cesareia, dedicando-a ao imperador romano César Augusto. Flávio Josefo, de que já falei, descreve Cesareia na sua obra “As Antiguidades Judaicas” dando a ideia de uma cidade grande e esplendorosa, de tal modo que, durante muitos séculos, os historiadores aproveitavam esse facto para o denegrirem dizendo que era mais uma prova do eu estilo exagerado pró romano e anti hebraico.

A cidade era abastecida por água conduzida por um aqueduto de dezassete quilómetros que a trazia desde o Monte Caramelo. Foi próspera enquanto o império romano foi forte e teve presença local. Contudo, em 614 sofreu o primeiro grande ataque e aí começou o seu declínio, ao ponto de ser completamente abandonada, por virtude das constantes investidas e saques de aventureiros piratas que, já sem a oposição da presença romana, passaram a vagabundear pelo mediterrâneo. No século XII chegaram os cruzados ao local, construindo uma grande fortificação, com quatro torres e um largo fosso de proteção, usando muitas das pedras que conseguiram apanhar nas ruínas visíveis da cidade antiga. No século XIII a cidade foi completamente destruída pelos mamelucos, milícias constituídas por antigos escravos que foram ganhando poder ao ponto de governarem o Egipto de 1250 a 1517. Mais tarde enfrentaram Bonaparte na guerra das pirâmides. Só foram totalmente exterminados por um poderoso general egípcio em 1811.

Após o ataque dos mamelucos, a vida em Cesareia ficou limitada ao espaço da cidadela e a areia foi cobrindo o que restava da cidade antiga, que acabou por ficar escondida durante muitos séculos.

Só a partir de 1940 é que começou a ser redescoberta, sendo possível vermos hoje não só o teatro romano de que já falei, mas também vestígios do porto e do palácio de Herodes, e o muito impressionante hipódromo, seguramente um dos maiores e mais bem conservados no mundo romano.



Aí descobrimos muitas curiosidades, desde as jaulas para as feras e para os gladiadores até às interessantes latrinas, verdadeiramente públicas, isto é, ao ar livre e à vista de toda a gente. É fácil imaginarmos os senhores ali sentados, com o seu escravo à frente disponibilizando o papel higiénico de então: perfumadas toalinhas de linho húmidas, cuidadosamente dobradas e guardadas em cestinhos de verga.


As latrinas. A água corria na caleira de pedra enquanto as pessoas, sentadas, faziam as necessidades.


Percorrido o parque arqueológico, passámos por uma rua bizantina e fomos até ao Porto Café, com vista para a baía, onde nos foi servido o almoço de saborosa comida local.



Acabado o almoço começou a viagem para o Monte Carmelo.

Nota: Herodes o Grande que construiu Cesareia, morreu no ano 4 antes de Cristo. Antes de morrer dividiu o reino pelos três filhos: Herodes Filipo, que ficou rei da Síria e de parte da Judeia; Herodes Antipas, que foi rei da outra parte da Galileia e da Cisjordânia; e Arquelau, a quem os romanos impediram de usar o título de rei que ficou com a Judeia, mas como tetrarca.

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