Fazer o percurso da Via Sacra (via crucis) é o objetivo
principal de qualquer peregrino cristão
em Jerusalém.
Desde os primeiros tempos da nossa era, muitos milhões de pessoas fizeram este percurso,
passando pela Via Dolorosa, com o mesmo sentimento de mostrar solidariedade, e
também
reconhecimento, pelos dolorosos momentos que Cristo ali passou. A grande
maioria faz mesmo questão
de, por algum tempo, ajudar a carregar uma cruz por aquelas ruas estreitas
cheias de lojistas de um lado e do outro. Os comerciantes, habituados a esse
teatro que faz parte do seu quotidiano, mostram-se indiferentes aos sucessivos
grupos que vão
passando entoando os cânticos
ou recitando orações
coletivas nas mais diversas línguas.
Foi com esse espírito
que o nosso grupo deixou o hotel na manhã
do dia 29 de Abril. E, após
uns minutos de autocarro, descemos e fomos guiados para o interior da cidade,
através da
porta de Herodes, ou das Flores, para entrarmos no bairro cristão, um dos quatro
bairros de Jerusalém.
Os outros bairros são
o arménio, o
judeu e o muçulmano.
Como havia horas marcadas, os nossos guias puxaram pelo grupo.
E
assim, após
uns minutos em passo acelerado, chegámos a uma porta monumental que tem
escrita no lintel a seguinte inscrição em latim, de um lado e do outro do
brasão da Custódia Franciscana dos Lugares Santos:
PILATUS ADDUXIT FORAS JESUM ET SEDIT PRO TRIBUNALI IN LOCO QUI
DICITUR LITHUSTROTOS - JOAN XIX.13
TUNC ERGO APPREHENDIT PILATUS JESUM ET FLAGELAVIT –
JOANNES XIX.1 TUNC ERGO TRADIDIT EIS ILLUM UT CRUCIFIGERETUR – JOAN. XIX.16.
A partir desta inscrição pudemos concluir que estávamos
no local onde Pilatos tinha pretório e tomava decisões
importantes, nomeadamente na aplicação da sua justiça.
Entrámos numa espécie de
átrio a céu aberto, onde, entre outras construções, se distinguem
duas igrejas em pedra escurecida pelo tempo. Pudemos entrar numa delas, a
Igreja da Flagelação.
A porta da outra, a capela da condenação,
estava entreaberta e alguns companheiros do grupo tentaram espreitar para
dentro dela. Mas veio de lá
de dentro um clérigo
assanhado que os repeliu com maus modos dizendo palavras numa língua que não consegui
entender.
A Igreja da Flagelação, na sua versão
atual, deve-se a trabalhos de restauração orientados por António
Barlucci, o arquiteto da Terra Santa. Foi um dos seus primeiros trabalhos, pois
data de 1929. No local já tinha sido edificada no século
V uma igreja com o nome de Santa Sofia. Depois no Século
XII os Cruzados construíram no local uma igreja maior que
esteve esquecida durante séculos até que a Custódia
Franciscana a adquiriu em 1838. Como disse acima veio a ser restaurada só
em 1929.
Toda a sua decoração, incluindo o arco da porta de
entrada tem por tema a flagelação, com destaque para a coroa de
espinhos.
Mas logo a seguir os nossos guias nos chamaram para uma pequena
reunião para
nos explicarem o que se iríamos
fazer a seguir. Entretanto, tinham-se juntado ao grupo dois moços apetrechados com
máquinas de
fotografia e de vídeo.
Iríamos
partir dali para percorrermos a via-sacra. Para o efeito, os dois senhores
emprestavam a cruz que estava ali ao lado, de sua propriedade, e, em
contrapartida, iriam fotografando e filmando o grupo. Depois, quem quisesse, e
sublinharam só quem
quisesse, podia comprar-lhes mais tarde fotografias ou o vídeo da nossa
passagem pela via crucis. À
noite eles estariam no hotel a seguir ao jantar para fazerem as
entregas.
Toda a gente se mostrou de acordo. O P. Artur pediu que, durante
o trajeto, mantivéssemos
um mínimo de
silêncio e de
concentração
para que a espiritualidade do cortejo não
fosse quebrada.
A seguir demos início à nossa via-sacra. Na primeira estação,
onde Jesus é condenado à morte, foi feita pelo P. Artur a
leitura apropriada.
A segunda estação, Jesus carrega a cruz às
costas, ocorreu dentro da igreja da flagelação, tendo os companheiros que
transportavam a cruz feito um pequeno jeito para a poderem fazer passar pela
porta entreaberta.
No ambiente da igreja, com a cruz no meio do nosso grupo, o momento
foi por mim muito sentido, pois os meus olhos fixaram-se na grande coroa de
espinhos pintada na cúpula, enquanto ouvia a leitura
relativa a esta estação.
Há momentos que são
breves mas que permanecem em nós por muito tempo. Este foi para mim
um deles.
E saímos
para o exterior do Pretório para continuarmos o nosso
percurso. Poucos minutos depois estávamos a passar por debaixo de um arco,
com duas janelas, uma espécie de passadiço por
cima da rua, que reconheci como sendo o arco do Ecce Homo, pois na véspera
tinha estado a ler um guia turístico que tinha lá
a fotografia e a explicação deste arco. Crê-se
que foi ali que Pilatos
apresentou Cristo à multidão
acicatada que clamou pela sua morte. Ele acedeu, mas lavou as mãos à frente de todos,
como se não
tivesse nada a ver com o assunto.
A Cruz era levada por vários
elementos do grupo ao mesmo tempo, que se iam revezando. Assim todos tiveram
oportunidade de, por alguns minutos, assumirem o papel do santo Cirineu, ainda
que com dois mil de atraso.
A terceira estação, Jesus cai pela primeira vez, e a
quarta, Jesus encontra sua mãe Maria, são
muito perto uma da outra, em frente a duas portas do mosteiro arménio
de Nossa Senhora das Dores, que tem por cima uns bem trabalhados relevos de mármore
alusivos a esses factos.
As estações
estão
assinaladas pelo seu número,
se bem que algumas quase passem despercebidas enquanto que outras têm obras de arte a
marcá-las.
A sexta estação, Verónica limpa o rosto de Jesus, fica uns
cinquenta metros à frente e é
assinalada por uma capela dedicada a Santa Verónica. O entusiasmo com que íamos e com que
disputávamos o
momento de podermos transportar a cruz tornou-se um pouco ruidoso ao ponto de o
P. Artur nos chamar a atenção
para guardarmos silêncio
para que a religiosidade do momento não
fosse quebrada.
A sétima estação,
Jesus cai pela segunda vez, é assinalada por uma grande coluna
romana de uma capela franciscana.
A oitava estação, Jesus consola as mulheres de
Jerusalém, quase passa despercebida. Está
marcada por uma cruz latina na parede de um mosteiro grego ortodoxo.
A nona estação, Jesus cai pela terceira vez, está
marcada por parte do fuste de uma coluna romana à entrada de um mosteiro etíope.
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