Mal acabámos
de deixar a cruz da via sacra, iniciámos
a caminhada por ruinhas estreitas na direção
do Santo Sepulcro. Passados poucos minutos tivemos de passar por uma porta com
o lintel bastante baixo que nos obrigou a baixar a cabeça ao nível
do peito para podermos passar. Já
nos tinha acontecido o mesmo quando entrámos
na Igreja da Natividade em Belém.
Nesse claustro há uma escadaria no canto no lado
direito de quem entra, que parece dar acesso ao nível
do corpo do primeiro piso do edifício,
onde se encontra a igreja do Santo Sepulcro. Mais concretamente, dá
acesso à chamada Capela dos Francos, uma espécie de
antecâmara vip da capela do Gólgota, termo hebraico que quer dizer “local
do crânio”, e que os latinos batizaram de Calvário.
A seguir fomos conduzidos para dentro da igreja.
Logo após
a porta da entrada há
umas escadas em pedra que sobem para o nível
de um primeiro andar e onde está
a indicação
de Calvário.
E, uma meia de dúzia
de passos mais à frente
da porta de entrada, está
uma larga laje retangular, assinalada como a pedra onde Cristo terá sido ungido
segundo os ritos da altura.
Estávamos
nós a tomar um
primeiro contacto com o interior do templo, enquanto os nossos olhos se iam
habituando à luminosidade
discreta do interior, quando o nosso guia Sebastião
me pegou literalmente no braço
e me fez avançar
uns passos para me indicar o fim de uma fila dizendo para irmos de imediato
juntar-nos a ela, para aproveitarmos a oportunidade de estar ainda muito
reduzida. Foi dando a mesma indicação
às outras pessoas
do grupo que ia apanhando a jeito. E eu segui o seu conselho e fui ligeirinho
juntar-me à fila.
À minha frente
estavam umas vinte pessoas.
Este espaço, que nos faz lembrar a Charola e que
é designado por Rotunda, é o principal monumento de um complexo
mais vasto, onde, para além dos dois monumentos santos que já
referi, Calvário e Lage da Unção,
tem outros monumentos como sejam a Torre do Sino Cruzada, os restos de um pátio
colunado do século XI designado por os Sete Arcos da
Virgem, uma grande bacia de pedra conhecido desde tempos imemoriais por Centro
do Mundo, a Igreja Cruzada com a sua linda cúpula pintada com uma linda imagem de
Cristo, conhecida por Cúpula Catholikon, a capela de Santa
Helena a que se acede descendo uma escadaria para um nível
bastante mais abaixo, e, ainda num nível mais inferior a Capela Inventio
Crucis, onde Santa Helena terá descoberto a cruz de Cristo de entre
um montão de cruzes abandonadas que teriam sido usadas pela justiça
durante a dominação romana.
Após
uns dez minutos de espera estava à
porta do local que dá
acesso à gruta
onde o corpo de Cristo morto foi depositado, depois de ungido e envolto em lençóis brancos de
linho, conforme as formalidades
religiosas. Há uma espécie
de antecâmara
para a entrada na gruta. Aí pude observar o clérigo ortodoxo,
bastante encorpado e com um assinalável
vozeirão,
incumbido de coordenar o acesso e estadia ao lugar santo, a dizer quase
continuamente em voz alta para os peregrinos que se encontravam lá dentro, enquanto
batia com o punho da mão
na ombreira da porta: Please, out! No photos!
A porta de acesso ao túmulo é baixa e estreita e só dá para passar uma pessoa de cada vez. Chegou a minha vez de entrar e o senhor clérigo disse em voz bem alta: no photos, no cameras, no mobiles. Entrei e desci um ou dois degraus.
No lado direito, meio iluminada, lá
estava uma larga laje de pedra branca, talvez mármore, à
altura da minha cintura. À
cabeceira dessa lage estava uma mulher toda coberta de preto, ajoelhada
e completamente debruçada,
imóvel e
silenciosa como se já
fizesse parte da própria
laje. Só
a vi mexer quando uma senhora que entrou a seguir passou por detrás de mim e foi
poisar as suas duas mãos
na cabeceira da laje. Talvez por não
ter visto esse vulto, deve ter pisado a mulher debruçada, obrigando-o a mexer-se e a
mostrar o rosto feminino liso e brilhante, talvez na casa dos cinquenta.
Também
eu segui o ritual de colocar as duas mãos
abertas sobre a pedra na esperança
de que fosse para mim uma fonte de enorme energia. Ao mesmo tempo formulei uma prece de
agradecimento a Deus por ali poder estar naquele dia e àquela hora, enquanto que, num filme rápido, no meu
pensamento passaram os meus entes queridos, familiares e amigos. Não podia estar mais
tempo porque a cabeça
do senhor clérigo
aparecia agora já dentro
da gruta gritando: out, out, no photos.
E saí com
muita pena de ali não
poder estar mais uns minutos.
Já fora
do recinto central da igreja, observei-a mais atentamente enquanto os restantes
companheiros faziam a sua visita ao interior da gruta. Então compreendi
claramente onde é que
os arquitetos da igreja da Charola do Convento de Cristo em Tomar foram beber a
sua inspiração.
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