Após
a visita ao Santo Sepulcro, o nosso grupo reorganizou-se e foi encaminhado
novamente para junto da porta de entrada do complexo para irmos subir ao Monte do
Calvário.
A ideia que, ao longo dos anos, tinha formado sobre o local da
execução de
Cristo era bem diferente do que estava a ver ali.
Na igreja de Nossa Senhora da Lapa, em Lisboa, há um altar lateral
dedicado a Nossa Senhora das Dores que tem, como painel de fundo, uma
representação
pictórica do Monte
Calvário que
traduz bem a imagem que, a partir da leitura dos textos bíblicos, eu tinha
formado ao longo da minha vida:
Uma elevação considerável, fora das muralhas da cidade, relativamente afastada e isolada. Aí, segundo li algures, era frequente os prisioneiros serem massacrados até ao último suspiro e depois ficarem ali abandonados, com proibição absoluta de alguém se aproximar deles, para servirem de alimento às aves de rapina. Nesse ambiente tétrico, o mau cheiro acabaria por aparecer. Por isso, um local com estas caraterísticas teria que ficar afastado o suficiente para os efeitos deletérios não chegarem à cidade.
Contudo, o que ali estava a encontrar não correspondia minimamente à ideia que tinha
formado.
Subindo as escadas para o Calvário.
O facto de, logo ao lado, estar uma majestosa pedra de unção e, também, logo ao lado,
estar a gruta do Santo Sepulcro, foram dados que fizeram gerar em mim a
desconfiança
de que tudo aquilo tenha sido artificialmente edificado para comemorar a
crucifixão, a
unção e o
enterramento de Cristo. Os verdadeiros lugares poderiam estar algo distantes
dali.
Como podemos falar do Monte Calvário
quando se sobe a uma rica capela ao nível
de apenas um primeiro andar?
Por outro lado, é
sabido que, por razões
religiosas, o sonho de um bom judeu é
ser sepultado no Monte das Oliveiras. Por que razão José
de Arimateia, homem rico e influente, teria escolhido um lugar para o
seu repouso final num local diferente, perto do sinistro Gólgota? Ele que tinha
posses para comprar um espaço
privilegiado no Monte das Oliveiras ou mesmo no vale de Josafá, também conhecido como de
Cédron, junto
aos túmulos de
Absalão, Bnei
Hezir e Zacarias.
Este vale fica, como já referi num apontamento anterior,
entre o Monte das Oliveiras e a Cidade de Jerusalém
e é lá que o profeta
Joel, seguido por cristãos,
judeus e muçulmanos,
prevê que
ocorra o juízo
final.
Estas dúvidas
pairavam no meu espírito
a partir do momento em que vi estes tão
importantes lugares santos distanciados entre si apenas por umas escassas dezenas
de metros.
Tentei encontrar respostas para as minhas dúvidas.
O local terá
sido ponto de veneração
desde os primeiros dias após
morte de Cristo, dentro das limitações
e receios próprios
dessa altura.
Existiu ali uma pedreira e ainda hoje é visível,
por baixo do altar, uma parte da rocha.
O local só
ficou dentro das muralhas da cidade após
o ano 43. Assim, uma boa parte da via crucis, que percorremos uma hora antes, estaria
em campo aberto.
Há quem
entenda, seguindo a ideia que eu tinha, que a crucifixão de Cristo terá ocorrido no Monte Scopus, o mais elevado
daquela zona, bem fora das muralhas, ainda nos dias de hoje.
Mas se Cristo carregou a
Cruz já muito debilitado devido aos massacres
que lhe foram infligidos, a distância
não podia ser
muita. Por outro lado, o Gólgota
era usado para executar os rebeldes que, uma vez apanhados, tinham o fatídico destino da
cricifixão. Assim, parece-me fazer sentido que o local de execução e o respetivo
acesso oferecesse segurança
aos soldados romanos executores, estando bem à
vista da Cidadela, para evitar os ataques de rebeldes solidários
com os executados por razões políticas.
Já
falei, noutro apontamento, de Santa Helena, mãe do imperador Constantino, e do seu
empenho sobre-humano em identificar e dignificar todos os lugares santos
ligados à história de Cristo. E
foi assim que, entre 326 e 335, foi
ali iniciada e concluída
a primeira grande basílica.
Ela terá sido motivada por provas evidentes que reuniu na altura e
por testemunhos da tradição.
Esta basílica, edificada por Santa Helena, foi
destruída após a queda do império pelos que substituíram os romanos no
domínio da
Terra Santa. Mas foi reconstruída e novamente destruída em 1009 pelo
fatimita Hakin. Porém,
em 1040, foi reerguida a expensas do imperador bizantino Constantino Monómaco que chegou a
um acordo para o efeito com o filho de Hakin, mediante uma boa compensação.
Posteriormente, houve vários
acidentes que danificaram a basílica,
mas os cruzados reconstruíram-na
e ampliaram-na entre 1114 e 1170, para o formato com que chegou aos nossos
dias. Isto, apesar de, entretanto, ter sofrido danos graves causados por um incêndio em 1808 e por
um terramoto em 1927. As respetivas reparações
foram acompanhadas de significativos melhoramentos.
Um detalhe interessante da controversa história deste lugar
santo, é a
renhida disputa entre as diversas confissões
cristãs que
duram há séculos, com agressões físicas à mistura. Esta
situação deu
origem a um decreto otomano conhecido por "status quo" que divide a
custódia do
lugar entre católicos
romanos, arménios,
gregos, coptas, etíopes
e sírios.
No seguimento desse decreto, a chave é
guardada por uma família muçulmana. A igreja é destrancada e
aberta todos os dias por um guarda-chaves dessa família,
que cumpre essa tarefa diária há várias gerações.
A igreja católica
dispõe de um
pequeno altar lateral, perto do Santo Sepulcro, mas já fora da Rotunda da Basílica, onde os
peregrinos podem assistir à
missa. O espaço
é reduzido, mas
suficiente para um grupo que não tenha mais de trinta pessoas se
poder sentar.
Estávamos na fila, durante estas considerações,
para aceder ao local onde foi erguida a cruz de Cristo.
Já estamos
no patamar da capela do Calvário
e os nossos guias chamam-nos
a atenção para
um bonito e rico oratório com a Nossa Senhora das Dores
que foi oferecido ao santuário
por um dos nossos reis (D. João
V?).
A capela, está cheia de ricos turíbulos e painéis decorativos ao gosto ortodoxo.
O teto, em pequenas abóbadas
está pintado com frescos de cor escura e com representações
alusivas à morte de Cristo.
Nesse buraco podemos introduzir o braço até
ao fundo, para sentirmos a rocha fria e abrirmo-nos aos sentimentos de
respeito que aquele lugar sagrado nos inspira. Foram breves os momentos porque
a pressão da fila em espera era grande. Mas deu para sentir um
verdadeiro abanão
espiritual, com um calafrio à
mistura. Afinal foi ali, naquele preciso ponto, que a cruz de Cristo foi
erguida e o seu sangue derramado.
Seguimos em frente para descermos pela escada do lado oposto ao
da entrada.
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