Saímos
da Igreja do Pai Nosso e retomámos
o autocarro. Passados alguns minutos, demo-nos conta de que estávamos a passar num
local conhecido. Vimos à
nossa direita a Igreja de Todas as Nações
ou da Agonia, e, logo a seguir, o local da Gruta do Gethzemani e a Igreja do Túmulo de Maria, onde
já tínhamos estado no
dia anterior. Agora o objetivo era visitarmos alguns dos lugares santos
que se encontram a sul de Jerusalém,
no Monte de Sião
ou por ali perto. Em breve começámos
a subir para a encosta oposta à
do Monte das Oliveiras, ambas separadas pelo Vale de Josafat. O profeta
Joel (Joel 4, 1-17) disse que é ali que os mortos vão
acordar primeiro no dia do Juízo Final. E é por
isso que muitos cristãos, judeus e muçulmanos
escolhem o local para serem sepultados, pagando grandes fortunas para isso.
Um pouco mais à
frente, o autocarro desviou para o lado esquerdo, como se fosse a descer
novamente para o vale. Mas não
tardou a parar e, em poucos minutos, estávamos
num miradouro com amplas vistas sobre o vale e a colina em frente, a do Monte
das Oliveiras.
O guia mencionou os túmulos
das personalidades bíblicas
e históricas
que se encontram por ali à
volta, nomeadamente lá
no fundo do vale: Absalão, filho rebelde do Rei David, Zacarias,
Josafate, rei da Judeia no século IX, dos Bnei Hezir, uma
importante família judaica de sacerdotes. E falou-nos
também um
pouco de alguns factos históricos
que, através
dos tempos, poderiam ter sido presenciados a partir do local em que nos encontrávamos.
Dali fomos conduzidos para a Igreja de S. Pedro em Galicanto, ou
Gallicantu, mesmo ao lado, erguida sobre as ruínas
do palácio de
Caifás, o sumo-sacerdote
no tempo de Cristo, cujos poderes excediam em muito a sua condição religiosa. Por
isso, o palácio
incluía uma
poderosa guarda pessoal e estava apetrechado com uma inviolável
masmorra. Foi aí que
Cristo foi guardado na noite de quinta para sexta-feira santa e humilhado pelos
guardas e criadagem do palácio. E foi então que aconteceu a cena da criada de
Caifás que
olhou para Pedro e disse que ele era um dos do grupo de Cristo. Três vezes a criada
lhe perguntou e três
vezes Pedro negou. Após
o que o galo cantou e Pedro lembrou-se do que o Mestre lhe tinha dito umas
horas antes: negar-me-ás
três vezes após o que o galo
cantará outras
três.
É esta cena que está
gravada na linda porta de bronze da igreja, construída em
1931.
Pedro ouviu o galo cantar e chorou amargamente. No meu ponto de
vista sem razão
para isso. Primeiro porque foi bastante corajoso em manter-se por perto de
Cristo sabendo que corria riscos. Segundo porque a sua tripla negação foi um golpe
espontâneo de
inteligência
para sair daquilo que, em linguagem militar, se chama zona de morte, ou, numa
linguagem mais suave, para impedir passar para a mó de baixo. Se a sua coragem tivesse
sido extrema, muito provavelmente teria havido, no Monte Calvário, quatro cruzes em vez de três. E, como Pedro tinha
sido escolhido para pedra angular, talvez hoje nem sequer houvesse igreja cristã. Pedro foi
inteligente e não
tinha que se sentir envergonhado, nem o podemos recriminar pela sua tripla negação. Poderíamos dizer que, se
tem caído na mó de baixo, ele
teria sido tratado com humanidade pelos guardas de Caifás, seguramente amantes da lei de Moisés, portanto judeus
devotos respeitadores do ser humano. Mas o que a prática nos ensina é que, nas religiões, muitos dos mais
devotos são os
mais extremistas, radicais e violentos. Veja-se o que acontece agora. Cortam-se
cabeças a
inocentes em nome de Deus e divulgam-se vídeos
na net. E nem se diga que os guardas iriam ter em conta que ele era apenas um
amigo de Cristo e que isso não
justificava que lhe dessem igual humilhação,
pois a verdade é que
as coisas não
costumam ser bem assim. Nessas alturas, não
há lei que se
aplique, a não
ser a regra prática de que filho de cobra é cobra e que cobra é para matar seja
ela grande ou pequena.
A fachada e a porta da igreja são
um livro aberto e justificam uns minutos de atenção.
É contada por
imagens impressionantes a história
de Pedro. Os baixos-relevos das portadas são
muito belos e explicativos por si mesmos.
Non cantabit hodie gallus... donec ter abnosses me.
O interior da igreja está
bem iluminado e muito bem pintado, o que permite ver as diversas cenas
representadas nas paredes da capela-mor e junto aos altares laterais, que
contam as múltiplas histórias de Pedro.
Por uma porta logo à
entrada, no lado esquerdo, começámos
a descer para os níveis
inferiores, onde a arqueologia foi descobrindo o que chegou até nós do palácio de Caifás.
Num dos pisos é obrigatória uma paragem mais demorada, pois uma lápide e uma imagem chama-nos a atenção para o facto de ter sido ali que Cristo foi guardado e maltratado, numa orgia de malvadez dos guardas e não só. Também parte da criadagem do sumo-sacerdote terá participado nesse festim. E foi uma das criadas que tentou caçar Pedro.
Capela no primeiro nível da cripta.
Num dos pisos é obrigatória uma paragem mais demorada, pois uma lápide e uma imagem chama-nos a atenção para o facto de ter sido ali que Cristo foi guardado e maltratado, numa orgia de malvadez dos guardas e não só. Também parte da criadagem do sumo-sacerdote terá participado nesse festim. E foi uma das criadas que tentou caçar Pedro.
Uma vez chegados ao ponto mais baixo das ruínas, saímos para o espaço
exterior, onde foram os jardins do palácio. Aí
continuamos a ver mais vestígios
que, a pouco e pouco, os arqueólogos
têm revelado.
Floram encontrados mosaicos e outros objetos, prova de que ali
existiu uma igreja bizantina no século V ou VI.
A nossa sensibilidade não
pode ficar indiferente quando nos chamam a atenção
para um caminho antigo, recentemente posto a descoberto, que vai subindo pela
ladeira acima até às
muralhas. As pedras da calçada
desse caminho são
supostamente aquelas que Cristo pisou quando foi levado do palácio de Caifás para ser presente
a Pilatos para este confirmar a sentença
de morte.
Com a ajuda da nossa imaginação
podemos reviver essa cena. Podemos mesmo ir um pouco mais longe. Se olharmos
para o mapa da cidade ao tempo de Cristo, vemos que a casa da Anás
era um pouco mais acima, embora não muito distante. Na nossa tradição
linguística existe a expressão de “andar entre Anás e
Caifás” para ser usada quando queremos dizer
que andámos de um lado para o outro e não
resolvemos nada. Talvez Cristo tenha subido e descido várias
vezes essa calçada na noite de quinta para sexta
feira-santa, ouvindo ameaças e impropérios da criadagem num
palácio e no outro e, pelo caminho, dos viandantes.
Emocionados retomamos a subida para um terreiro em frente da
igreja.
A um nível superior existe uma loja de recordações com um recanto para um café e com casas de banho asseadas.
A um nível superior existe uma loja de recordações com um recanto para um café e com casas de banho asseadas.
Após o que retomamos o autocarro para
seguirmos para o próximo objetivo: Cenáculo,
Igreja da Dormição e Túmulo do Rei David.
O autocarro parou num pequeno parque perto da Porta de Sião (Zion Gate). Aí
o guia Sebastião
pediu para observarmos essa porta, chamando-nos a atenção para os inúmeros impactos de projéteis que se
encontram bem marcados nas pedras. Houve ali uma renhida batalha entre o exército Jordano e o
israelita em 1948, quando o Bairro Judeu no interior da cidade foi letalmente cercado.
Os israelitas tentaram socorrê-lo
por todos os meios, incluindo o uso de poderosos explosivos para poderem
penetrar através
da muralha.
Não
ficámos a
saber então
qual foi o desfecho desta batalha. Mais tarde, na guerra dos seis dias em 1966,
houve ali também renhidos confrontos até
os israelitas conseguirem entrar na cidade. As pedras martirizadas da fachada
testemunham bem a dureza dos confrontos.
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