sábado, 20 de junho de 2015

Viagem à Terra Santa em 2014. 13. Em 30 de Abril. Para Ein Bokek, Mar Morto.

13. Para Ein Bokek, Mar Morto

Tínhamos acabado de almoçar em Jericó e estávamos a iniciar o nosso percurso para o sul do Mar Morto. 

A parte norte do Mar, onde desagua o rio Jordão, é bastante perto de Jericó. E teria interesse ver o encontro das águas do rio e do mar, pois disseram-me que os peixes, quando chegam àquele mar salgado, morrem imediatamente. E que, por isso, já têm um instinto telepático, tudo fazendo para não chegar à foz. 


Mas o objetivo hoje não era esse, mas sim irmos para o vértice sul do Mar Morto, para Ein Bokek, uma estância turística com praia e bons hotéis. Para lá chegarmos seguiríamos pela estrada 90, durante mais de cinquenta quilómetros. 

O Mar Morto estava no nosso lado esquerdo, enquanto que, no lado direito, havia uma cadeia de montanhas bastante altas e áridas. 
 
 
Não iríamos fazer paragens até chegarmos ao nosso destino.

Eu ia olhando para a paisagem, para o mapa e para o meu guia (livro), tentando compreender melhor os espaços por onde estávamos a passar.
 
 
 
 
 
 
Muito perto de Jericó atravessámos a localidade Nebi Musa, ou Nabi Mosa, muito importante para as três grandes religiões monoteístas, por se acreditar que foi lá que Moisés foi sepultado. Sobre o suposto sepulcro, foi construída em 1269 uma Mesquita. Muçulmanos, judeus e cristãos vão lá em peregrinação pois Moisés é um grande profeta comum a todos. Diz a história que, em 1920 houve lá uma importante insurreição árabe que deu muita luta às tropas inglesas que então controlavam a Terra Santa.

Depois iríamos passar por outras cidades interessantes: Qumran e Masada.

Ocorre-me invocar aqui aquela expressão famosa "Vae Victis!", registada na obra "De Bello Gallico", da autoria de Aulo Hírcio e Júlio César, expressão essa atribuída ao rei dos gauleses Brennus. 

Em 390, os gauleses tinham praticamente Roma conquistada, mas preferiram aceitar o pedido de negociações dos romanos. Brennus estabeleceu o preço do resgate em 327 quilos de ouro e pôs uma balança à disposição, dando um prazo. 

Os romanos vieram com o ouro do resgate que, ao ser pesado, estava menos que mais. Bennus não gostou e desembainhou a sua pesada espada e pô-la no prato da balança, desequilibrando ainda mais os pratos. Os romanos desfizeram-se em justificações para não entregarem nem mais um grama de ouro. Mas Bennus sabendo que a força estava do seu lado, gritou-lhes dizendo que tinham de trazer imediatamente o ouro suficiente para equilibrar os pratos. A recusa ou a dilação trariam consequências trágicas para os romanos. Para que eles compreendessem bem a situação gritou-lhes em tom ameaçador:  "De Victis", ai dos vencidos. E esta expressão ficou na história.

Lembrei-me dela a propósito do local em que tínhamos estado, Jericó e das terras por onde iríamos passar. 

A história de Jericó é feita na perspetiva dos vencedores. Josué (cap 6) conta que os judeus conquistaram Jericó, bastando, para o derrube das suas muralhas, um grande alarido e o som das trombetas. Os vencidos, que estavam havia muito tempo, por ventura milénios, nas suas casas, foram, com exceção da prostituta Raab e família que deu abrigo aos espiões de Josué, foram pura e simplesmente mortos. O seu choro, o seu sangue, os gritos das mulheres e crianças não contaram para nada. E a história de Jericó chegou até aos nossos dias, com outros relatos semelhantes, sempre na perspetiva dos vencedores.

Ora, no nosso percurso, iríamos passar perto de duas cidades, diga-se que em ruínas, cuja história é hoje contada pelo lado dos vencidos. 

Essas cidades são, como referi, Qumran e Masada.

Em relação a Qumran não me vou alongar aqui, pois amanhã iremos visitá-la. 

No entanto, não chegaremos a visitar Masaba. Apenas veremos no lado direito do nosso percurso as placas a indicarem a estrada que nos levaria lá. O guia Sebastião, na altura própria, chamou-nos a atenção para uma montanha mais alta onde se vislumbrava algo semelhante a uma distante mancha mal definida no cimo da montanha de ruínas.
 
 
Como referi, a história de Masaba é hoje contada pelo lado dos vencidos. No ano 70, quando os romanos destruíram Jerusalém, houve um grupo de guerreiros Zelotas que conseguiu fugir, indo refugiar-se na cidade fortificada de Masada, que fica numa montanha, alta para a região, que só por si constitui uma fortaleza. Os romanos foram no seu encalço, e, face o aspeto inexpugnável da cidade, decidiram cercá-la e dar tempo ao tempo. Josefo diz que o cerco envolveu dez mil militares e que durou dois anos. Como estratégia, os habitantes optaram por cometer o suicídio em coletivo. Cada chefe de família assumiu a obrigação de matar os seus.
 
Os romanos, estranhando o silêncio que vinha do cimo do monte, decidiram-se pelo assalto. Mas só encontraram cadáveres. 

Hoje, no juramento de bandeira dos militares israelitas, é proferido o grito de guerra "Masada não voltará a cair!".


A nossa viagem decorreu silenciosa, com exceção de três chamadas de atenção dos guias para Qumran, Masada, e uma marcação numa rocha ao nível do tejadilho do nosso autocarro, feita no fim do século XIX por um turista investigador, para marcar o nível das águas do mar nessa altura. 

É surpreendente o encolhimento que o Mar sofreu desde então. Hoje esse fenómeno ocorre ainda mais acelerado devido às captações de água feitas a montante no rio Jordão, à captação de água feita por empresas industriais para o aproveitamento dos sais minerais, e à própria evaporação natural que se tem acentuado devido à transformação climática desertificadora das zonas envolventes. E, por isso, desde 1930, ano em que o Mar Morto começou a ser continuamente monitorado, a superfície do Mar reduziu-se de 1050 para 650 km2, ou seja perdeu 38%.

Estamos a chegar a Ein Bokek e ainda há bastante sol. O guia Sebastião diz que ainda podemos ir tomar um banho à praia antes do jantar e faz recomendações para isso, chamando a atenção para alguns procedimentos de pormenor para não haver acidentes.

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